quinta-feira, 27 de junho de 2013


Cidade, cida-de-si


Ponte sobre o Rio Paraiba, tendo ao fundo a visão da residência do Sr. Octavio Martins
Acervo Publico Municipal
Cidade, cida-de-si
É preciso que eu descubra uma forma de transpor para o papel o que me vai à mente.
Um processo novo que transforme a letra em vida, para que o texto surja como a própria realidade.
E eu tento. Capturo o instante e o aprisiono e, suavemente, vou me introduzindo na essência da palavra, então, transcendendo os limites que o papel impõe, rompendo todas as barreiras surgem  esta cidade e o seu rio, misto de cônica, ensaio e poema (pois, que cântico maior pode existir do que o inspirado pela vida, em seu dia-a-dia?)
Junção da lógica e da emoção, meu tema é:
A cidade:
Ela estende-se na paisagem e desabrocha no silêncio.
Ouço-a  dentro de mim e ao derredor – meu corpo inteiro imerso em seu - e em nós,  a Essência pulsa com o ritmo peculiar deste sentir abstrato.
Seu rosto tem mil faces e de suas entranhas surgem multidões de seres impregnados pelo forte instinto de viver.
E eu vejo as placas, nas esquinas, com nomes dos que passaram, e vejo os largos, clubes, albergues, hospitais; a nova praça dos velhos poderes; as duas pontes sobre o eterno rio. E observo a secular escola de janelões enormes, de largos corredores exalando aromas do tempo que passou. E entro nos espaços, que pressinto para mim abertos, buscando neles a sequência de ruídos, para compor a melodia do amanhecer: passos, latidos, risos, buzinadas; rumor das fábricas, dos carros, do rápido das dez, que em trilhos corre e corta a cidade ao meio. E falas, gritos e frases soltas mesclam-se ao som inconfundível dos sinos da matriz. É a melodia eternamente inacabada, inabalável. A harmonia da desarmonia. A vida que se vive e que se vê. E nela sucedem-se nascimentos e mortes e vidas brotam qual flores em jardins: os meus, os seus... nem sempre bem cuidados!
Pergunto então: Até que ponto seus limites me pertencem, se eu sou seu grito e ela meu silêncio e de gritos e silêncios somos ambas preenchidas? Se sua noite me acalenta e em seu novo dia eu me transformo? Se eu sou a atriz e ela o meu teatro?
Coexistimos. Vamos ambas crescendo e amadurecendo às margens de um rio.



Do rio eu sigo o fluxo manso navegando por caminhos que volteiam e volteiam Enfrento os ventos, as chuvas, as enchentes, inserida em seu elemento e cenário. Nele sou sempre livre: água, vapor, canoa, garça, peixe, sereia, lenda, areia, melodia... e para os seus domínios regresso sempre, com  a alma em festa, qual filha pródiga, de volta ao pai.
Meu rio. Meu reinício. Meu rioinício.
E não é ele a grande veia que sustenta a vida?
Sua pujança espanta e quase dói. Dói como a busca de palavras certas para exprimir ideias pressentidas. Dói como o mistério da vida que em vão tento decifrar.
Minhas perguntas, todas, em suas águas estão lançadas. Difícil é decifrar suas respostas, embora eu sinta que nelas encontra-se a única verdade para mim.
O rio é meu segredo, que docemente guardo.
Eu, a cidade e o rio
Encerro a ideia, a crônica, o ensaio.
Termina a magia do momento aprisionado.
Do lado de fora está a realidade da vida, dos sinos, dos gestos, dos vários idiomas, do amor e desamor. E também as angustias tão humanas, o nervosismo e a calma,  monólogos, diálogos, a mão e a contramão.
E permanecem rostos, praças, ruas, avenidas, semáforos, postes e faróis. E estão as árvores frondosas com pássaros e flores, e cães e gatos passeando nos quintais; e bancos de jardins e bancos de dinheiro, e morros e bicicletas sempre em profusão.  E permanecem os buracos, as calçadas, os bares, lojas clubes.  E tem a JAM formando seus guardinhas e a banda, os coretos e os rojões. E o Combate, e o Diário e a nossa Radio Clube. A Prefeitura, o Fórum e as torres de TV. que cortam os céus trazendo as novidades. E vivem engenheiros, advogados, médicos, poetas. Leões, Rotarianos e maçons. E também vivem meretrizes e pedintes, ladrões e operários. E estão a lua, o rio, as chuvas de janeiro, e o tráfego confuso, a poluição...
E permaneço eu também – meu nome se anuncia: Lud, simplesmente, como gostam de chamar.
Procuro, persistente, deixar um marco, o meu registro. Algo como se fosse: “Hei! Também estive aqui! Aqui sonhei, cantei, chorei, voei, nadei e ainda vivo.  Eu pássaro. Eu peixe. Eu rio e eu, também, às vezes, gente. Eu, gente às vezes!
O resto não importa. Não passa de ilusão...
É noite. No silêncio do quarto ecoa seco, o ruído das teclas no papel, das frases rápidas que nascem e tingem com  seus significados a folha em branco.
A madrugada se aproxima e eu me preparo. De novo sigo em busca do momento que torno a pressentir...e amanhece!
E é isto o que me vem da vida, do rio e da cidade, da qual eu sinto todo o peso destes 323 anos que também vivi: A vida que flui de mim a cada aurora.
De mim, Ludmila, nesta Jacareí.

(Texto vencedor do concurso: “A cidade e o rio”, promovido em 1975 pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura da Prefeitura de Jacareí)



4 comentários:

  1. DEUS DO CÉU...QUEM TEM PADRINHOS NÃO MORRE PAGÃO, NÉ? ESTÁ MARAVILHOSO !!!
    VC ESCREVER EM UMA PÁGINA LINDA ASSIM É PURA QUESTÃO DE JUSTIÇA...PARABÉNS, LUD QUERIDA...

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  2. Obrigada, Leo, por estar sempre presente em minha vida!
    Quem tem amigos não morre pagão!
    Beijos! Carinho!

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  3. Querida, um beijo grande e todo o meu amor por vc e por seus textos. Bj, minha irmã,
    esther

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    1. Saudades, Esther, muitas, de você e de sua energia que sempre me faz tanto bem! Beijos!

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