A procissão das Almas
Acreditam
os antigos, e, toda crença se inicia por algum motivo forte, que , de sete em
sete anos, na sexta feira santa, os
mortos que não conseguiram entrar no céu, ou morreram naquele dia, saem em
procissão, do cemitério até a igreja mais próxima, onde esperam que se abram as
portas do paraíso. Verdade? Invenção ? Quem vai saber...
Há
muito tempo atrás, o cemitério de Jacareí estava localizado lá na Rua Barão,
atrás da antiga Casa Garboci. Quando o novo Campo Santo foi construído, no bairro do Avarei, parece que nem todas as ossadas foram
transferidas para o novo endereço, logo atrás da secular Igreja que, também segundo os antigos, foi a
primeira a ser construída na antiga vila.
Pois,
numa dessas sextas feiras santas, voltando para casa depois da procissão
relembrando o Calvário de Jesus, dona Sinhazinha, que morava lá no comecinho da
Rua Barão, que então se chamava Rua do Cemitério, perdeu o sono. Abriu a janela
de sua sala, que dava diretamente para a rua e viu um estranho movimento:
Movendo-se devagar, entoando cânticos e batendo matracas, um novo séquito se
aproximava , tomando todo o espaço, até quase nas calçadas. O povo vinha orando e tocando matracas. Mas, de onde
aquela gente saíra? Para onde se dirigia? Pensou e pensou e não conseguiu
lembrar-se de nenhuma igreja que ficasse por aqueles lados. Achou curiosa
também a vestimenta dos participantes: todos vinham em longas túnicas negras, o
rosto coberto por um capuz e segurando grossas velas acesas. Seria uma nova
irmandade?
Logo
os caminhantes alcançaram sua casa, no que uma moça, saindo do grupo,
aproximou-se de dona Sinhazinha, perguntando-lhe se poderia usar o seu
lavatório, pois estava muito precisada. Claro que nossa protagonista deixou a moça entrar, e
não apenas a guiou até o banheiro, como ainda segurou a sua vela. Nesse curto espaço de tempo
aproveitou e deu uma bela olhada em seu rosto. Achou a moça bonita, mas muito
pálida, coitada!
“Para
onde a procissão vai indo?” perguntou, curiosa.
A
moça não respondeu. Olhando para a vela acesa disse simplesmente: “Olha, a
Senhora pode ficar com a minha vela, que eu agora preciso correr para alcançar
meu povo... e, sem esperar resposta, afastou-se. Dona Sinhazinha ainda olhou
que direção a procissão tomava. Coisa estranha, viraram a esquina e se
dirigiam, pelo descampado, lá pras bandas do Avarei...
O
silêncio voltou a reinar naquele seu canto. Só a lua, gigante, iluminava o céu,
quando ela fechou porta e janela e retirou-se para dormir.
Na
manhã seguinte, saindo de seu quarto para a sala, lembrou-se de guardar a vela
para leva-la, depois, até a igreja. Foi
quando estancou no canto apavorada. Mas aquilo não era uma vela! Parecia mais
um fêmur! Pegou nele pra olhar bem de
pertinho e confirmou sua cisma. Em suas mãos estava um longo osso humano:
branco e frio!
Dona
Sinhazinha contou que nem sabe direito como foi que se vestiu e chegou na
igreja, mas foi tudo num repente só! Trêmula, foi procurar pelo vigário, mas
este havia saído para encomendando um corpo, lá na velha igrejinha do Avarei.
Ansiosa, ela resolveu que iria até a outra igreja, encontrar-se com o padre e entregar-lhe
aquele osso. Para casa é que não iria
voltar com aquele objeto!
Rapidamente
alcançou o pátio da igreja. Entrou em tempo de participar da missa para
encomendar aquela alma. Quando chegou perto do caixão, ela quase desmaiou! O defunto era exatamente a moça que entrou em
sua casa e lhe entregou a vela. Ela
estava morta. Mortinha da Silva, ali dentro do caixão...
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