terça-feira, 12 de novembro de 2013


José Perfeito ou Mestre Zezinho


Mestre Zezinho
Fui procurar Seu Zezinho, por indicação de meu amigo Odilon de Siqueira, que o mencionara algumas vezes durante nossos encontros: “Ludmila, você precisa entrevistar este moço, um dos últimos descendentes de escravos que mora em Jacareí. Vou procurar saber onde encontra-lo e marcamos uma entrevista.”
E lá fomos nós, gravador em punho, conversar com o Seu Zezinho.
Infelizmente, a fita desta entrevista foi uma que se perdeu, e a transcrição, eu havia postergado, porque Seu Zezinho falava muito, recitava no meio da entrevista (contou uma longa história chamada Boi Pintado, que ocupou um lado inteiro da fita) iniciava novo assunto antes de terminar o primeiro, enfim, seria uma transcrição que levaria um bom tempo. Então, eu entreguei a fita para que uma pessoa me auxiliasse neste mister e nunca mais consegui reavê-la...

O que escrevo aqui, resulta de notas esparsas que tomei, quando achava que  não conseguiria “entender” ouvindo apenas a gravação.
Mestre Zezinho, pessoa franzina, falante, muito querida em sua comunidade, recebeu o título de Mestre por dirigir um grupo de moçambique, onde ele era o Rei.
Ele nos contou que era filho de José Perfeito, escravo africano capturado nas costas da África.
Sua mãe, de nome Maria da Conceição era filha de Paulina e Antonio Mina,  escravos trazidos ao Brasil ainda jovens.
Mestre Zezinho não soube precisar com exatidão sua data de nascimento “ meu pai disse que eu nasci em 1897, mas meu avô me disse que eu era bem mais velho. Acho que estou beirando os 100 anos!” Contou-nos que “se alembrava” de  Jacareí iluminada a luz de querosene. A água era vendida em latas. As boiadas passavam pelo meio da cidade a caminho do matadouro, o rio dava peixe de montão. Contou que era devoto de São Benedito e que aprendeu a dançar Moçambique com seu pai, o “Perfeito”, quando tinha 12 anos. “Tem dois tipos de dança:  uma é para apresentar pro povo nas festas e a outra que a gente dança por devoção ao santo”.
Ele casou-se com dona Maria de Jesus Correia, que nasceu em  1908.
Tiveram, graças a Deus, uma família bem grande “seis filhos, mas um só homem: José de Moraes Perfeito, depois vieram a Benedita,  a Maria Luiza dos Santos (filha de criação)  a Ana,  a Rosa e a  Albertina. Todos casados."
Na época da entrevista, Mestre Zezinho já tinha passado dos oitenta anos, mas estava lúcido e bem disposto. Assisti algumas apresentações de moçambique.
Eu voltei à sua casa diversas vezes, uma, inclusive, para ele benzer uma afilhada minha, filha de colonos da fazenda, que havia pego “vento” e estava com o pescocinho duro. Mestre Zezinho levou-nos à sua cozinha, e, com a criança em meu colo, procedeu à "benzeção." A menina saiu de lá sem apresentar qualquer dos sintomas que a afligiam.
Durante as palestras sobre cultura popular que dei em escolas públicas e privadas de Jacareí, algumas vezes levei o Mestre Zezinho para que contasse a historia do Boi Pintado para a garotada, que, sentada à sua volta, divertia-se a valer, enquanto entrava em contato com um verdadeiro portador de folclore.
Guardo excelentes lembranças desse negro tão querido, que, em momento algum mostrou ressentimento ou escondeu seu passado de filho de escravos.
Sua bênção, Mestre Zezinho! Nos recomende ao seu São Benedito e a Nossa Senhora!
(Ludmila)

2 comentários:

  1. Pelo jeito Seu Zezinho não era um contator de histórias, era um fazedor de história - era a nossa história viva, e a do folclore brasileiro também.

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  2. Que bom que vc lembrou dele. Belo texto e memória.

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