quarta-feira, 2 de abril de 2014


Histórias do front

Memórias dos pracinhas de Jacareí na Itália
Sede do MMDC, hoje Museu do Expedicionário em Jacareí
Nossas conversas aconteciam sempre na sede do MMDC na Praça dos Expedicionários, em mesa redonda, e, conforme as recordações afloravam, iam sendo relatadas:

“Quando voltamos às nossas cidades, a maioria foi até Aparecida, pagar promessa e agradecer a Nossa Senhora Aparecida por termos voltado inteiros para as nossas famílias, embora a padroeira do nosso Regimento seja a Nossa Senhora de Lourdes. É que o 6º. Regimento, enquanto aguardava oregresso após a guerra, ajudou na reconstrução da igreja na cidade de Vada ,  na Itália. Ela foi destruída pelos alemães. Nas ruínas da igreja, foi encontrada a imagem de Nossa Senhora de Lourdes, intacta e denegrida pelo fogo.
Posteriormente, uma comitiva de freiras Salete, em novembro de 1945, chegou a Caçapava e ofertou essa mesma imagem, em nome da população de Vada, em reconhecimento, ao 6º. RI pelo trabalho que lá fizemos.” (Álvaro Lourenço)

“E o que contavam do João Américo da Silva, lembram-se?”, pergunta o Sr. Antonio Cândido dos Santos.
“A gente se lembra, a gente se lembra...Quem vai contar a história?”
“Conte você, que lembrou, pede Álvaro Lourenço...”
Soldados brasileiros da II Guerra Mundial ( acervo Luis Antonio da Silva (Guandú)
“Antes de nosso embarque para a Itália, o navio fazia treinamento com as tropas, pra preparar a gente para a hora da partida. A gente pensava que estava partindo, mas na verdade estava dando uma volta e retornando ao porto. Isso aconteceu várias vezes. Então, o João Américo, achando que a próxima partida também seria só pra treinar, resolveu dar uma chegadinha em Jacareí, para visitar o pai dele, que não andava bem de saúde. Só que, ele saiu sem avisar, e enquanto vinha pra Jacareí, o nosso navio partiu de verdade pra Itália! Aí, vieram procurar ele em Jacareí e prenderam o moço como desertor. Ele ficou preso no quartel em Caçapava...”
“Foi preciso a família dele recorrer à ajuda de Dona Francisca da Costa Siqueira, que era presidente da LBA, que foi lá e contou a história toda. Daí, ele embarcou pra Itália no navio seguinte. Coitado...Ele morreu pouco depois, em  combate, na tomada do Monte Castelo. Seu corpo foi encontrado ileso, porque ficou esse tempo todo debaixo da neve. Ele foi sepultado no Cemitério Militar de Pistóia.”  (Antonio Cândido dos Santos)
“Nós sempre fomos muito bem tratados pelas pessoas, em todos os lugares da Itália onde a gente parava. Os italianos gostavam muito dos brasileiros,” recordam todos.
“Na Itália, em Nápoli, quando chegamos, a gente não precisava ter dinheiro. O comércio era todo à base de trocas, e o cigarro tinha valor maior do que o ouro" recorda o Sr. Luis Guandú. " A gente saía e levava junto 5, 6 maços de cigarros. Com 5 maços você tinha mulher, vinho e comida à vontade".“ A vida no acampamento continuou até o dia 30 de julho, quando recebemos a ordem para deslocamento. Saímos no dia 31, às 3 horas da tarde para a estação de Bognoli a pé. Lá embarcamos num vagão de transporte rumo à cidade de Farquinia. A estrada tinha túneis tão compridos, que alguns, a gente levava uma hora para atravessar.”(Luiz Antonio da Silva)
Soldados brasileiros na Itália
“Ô Guandu, conta aquela história do salvamento do General Atratino Cortez”, pede Seu Francisco.
“Ah! Aquela foi muito boa! Eu era o ordenança do General. Um dia ele e outros soldados estavam numa casa num morro cercado por alemães. No quintal da casa, estava o João Sant’Anna, com uma metralhadora engatilhada, pronto pra passar fogo no inimigo. O João Sant’Anna era muito corajoso. Não tinha medo de nada, só que os alemães também não tinham. Quando ele viu que eles iam abrir fogo, saiu correndo morro abaixo e se atirou rolando no meio de uma plantação de uvas. As balas passavam zunindo em cima da cabeça dele. Sorte que ele não levou nenhum tiro! Também, o moro ajudou, não é? Daí, logo em seguida, a patrulha da FEB, onde estavam eu, o cabo Faria de São Paulo, o Sargento Júlio, de Bragança Paulista, chegamos lá e abrimos fogo contra os alemães. Matamos alguns deles.” (Luiz Antonio da Silva)
“Seu Lourenço, e as suas lembranças?Conte algumas pra gente...” peço.
“Olha, dona Ludmila, eu escrevi um diário durante o tempo em que estivemos na Itália, onde marquei as datas, as ofensivas e as cidades pelas quais passamos. Vou fazer uma cópia e trazer para a senhora ler. Lá está tudo explicadinho .”(Álvaro Lourenço)

“Eu me recordo do nosso primeiro dia no navio. De noite a gente não enxergava nada, nem sei como cheguei no meu beliche para dormir. De manhã, aquela fila enorme para pegar a primeira refeição. Quando terminei de tomar o café da manhã, já tinha uma fila enorme para retirar o almoço. Passados alguns dias, o pessoal conseguiu se organizar e a gente comia na hora certa. Cada um de nós recebia um cartão que era perfurado a cada refeição, assim eles tinham um controle sobre quem já tinha comido ou não. Tomar banho também era um problema. A gente tinha que se lavar com a água salgada. A doce era só pra beber e pra cozinhar.”(Francisco Arthur Gomes)

“Passamos 14 dias viajando. Chegamos a Nápoles e de lá nos mandaram pra Bognoli, que ficava na boca de um vulcão extinto. Lá, era puro pó. Águapara o banho também era um problema. Brasileiro não sabe ficar sem tomar banho todos os dias, então a gente sofreu... A comida lá em Bagnoli também foi outra dificuldade. Deram pra gente uma comida enlatada: carne com feijão e um tempero horrível. A gente não conseguia comer aquilo... De Bagnoli seguimos para Tarquinia. Lá recebemos treinamento de como usar as armas que nos deram, o que foi muito útil.” (Álvaro Lourenço)

“O que eu mais me lembro é do inverno. Tinha noites que a gente não conseguia se esquentar. No inverno lá fazia um frio de 18 , 20 graus negativos. Muitos soldados pegaram pneumonia e foram mandados para se cuidar nos Hospitais. A gente se vergava de tanta câimbra. Esse frio nosso é fichinha perto do frio de lá! Vocês se lembram?” (Francisco Arthur Gomes)
Soldados Brasileiros em Montese, Itália

Correspondência trocada entre Luis Antônio da Silva e seus familiares
“Eu me lembro da alegria que era receber as cartas da família. A gente ficava esperando, daí, cada um ia pro canto ler as suas. Meus irmãos me escreviam bastante contando as notícias lá de casa, dava muito conforto pensar na família, tão longe da gente.”(Luiz Guandu)
Continua....

Um comentário:

  1. Histórias infindáveis, as quais poderia ficar ouvindo por dias, sem me cansar.
    Algumas com risos e poucas alegrias num mar de sofrimento, tensão e muito pouco preparo para enfrentar algo sobre o qual não tinham a menor ideia.
    Muita sorte que isso é passado.
    Sequer dá para mensurar a alegria em receber uma simples carta, talvez fosse como um abraço recebido pelo coração e não pelos braços.

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