terça-feira, 1 de abril de 2014


Memória dos Pracinhas de Jacareí na Itália - Parte II



(continuação)
 Num de nossos encontros, o Sargento Lourenço presenteou-me com a versão em xerox, encadernada, deste seu caderno, onde ele registrou os principais episódios da II Guerra Mundial por ele protagonizados. Assim, inicio estes depoimentos transcrevendo parte de suas anotações que começam com a seguinte dedicatória:

 “Este Registro é um Diário de Guerra real, vivido por este brasileiro. Ele destina-se a todos os jovens brasileiros que se interessam pela valorização dos homens que lutam por ideais nobres, como a defesa da Pátria, através de atos e não de demagogia. Deixo-lhes, aqui, os fragmentos de meu diário, de um brasileiro comum como os demais companheiros, que um dia tiveram que deixar a Pátria e seus entes queridos.”

Tomei a liberdade de intercalar algumas de suas anotações, com breves trechos, que constam do site: “Os pracinhas na guerra - A cobra fumou na Itália, capítulo onze" http://www.pitoresco.com/historia/republ211.htm e que aparecerão em itálico.
Estes textos destinam-se, exclusivamente, para complementar as informações do diário.

29 de junho de 1944: embarcamos no Porto do Rio de Janeiro.  Às 22h embarcou 1º. Batalhão e, às 23h, embarcaram o 2º. e o 3º Batalhões do 6º. Regimento de Infantaria. Junto embarcou também um Grupo de Artilharia, uma Companhia de Engenharia e um Pelotão de Transmissões, perfazendo um total de 5.075 soldados e oficiais.*

* “O embarque do 1º Escalão se faz no mais absoluto segredo. As janelas dos vagões ferroviários são vedadas para isolar o contato com o mundo exterior e os soldados recebem a informação de que estão sendo transferidos para outro campo de treinamento. Tudo era disfarce. Quando se deram pela conta, estavam no porto do Rio de Janeiro, embarcando no navio-transporte americano "General Mann". Antes da partida, Getúlio Vargas vai a bordo para deixar-lhes uma palavra de despedida. E só. Não houve sequer oportunidade de se despedir dos parentes, que só souberam da viagem quando o navio já ia em mar alto. A bordo, para surpresa geral, ia também o comandante da 1ª Divisão de Infantaria, general Mascarenhas de Morais, com seu estado maior. Na prática, era ele o comandante efetivo, dono da situação e senhor único de um segredo, que lhe fora passado pelo general Kroner, adido militar americano. Só ele, e mais ninguém, nem o general Zenóbio, que comandava o escalão embarcado, sabia qual o porto de destino da embarcação.” (Os pracinhas na Guerra, A cobra fumou na Itália – capítulo 11)

02 de julho de 1944: Entre as 6h e 6h30, o navio americano General Mann com o nº 112 na proa deixava o Porto do Rio de Janeiro com destino ignorado. Em águas brasileiras, fomos patrulhados por uma escolta brasileira composta pelos navios destróieres Marcelino Dias, o Greenhalgh e o Tamandaré, pois operavam no Oceano Atlântico vários submarinos alemães.
05 de julho de 1944: Foi anunciado um exercício para abandono do navio. Após esse treinamento de meia hora, a escolta brasileira foi substituída por outra, americana, composta por um cruzador e dois destróieres. Ao anoitecer viam-se luzes ao longe: era Las Palmas, nas Canárias.
13 de julho de 1944: por volta das 16h, atravessamos o célebre Estreito de Gibraltar, saindo do Oceano Atlântico para o Mar Mediterrâneo. Desse ponto em diante, fomos patrulhados por uma esquadrilha de aviões de caça dois nossos aliados até o Porto de Nápoles, totalmente destruído. Desembarcamos e fomos acampar numa pequena aldeia nas imediações de Nápoles, com o nome de Bagnoli,  onde ficamos vários dias. De lá saímos para Toscana  em caminhões, para a região de Vada, Staffoli e Livorno.
11 de setembro de 1944: o general Mark Clark, comandante do 5º. Exército Americano visita nossas tropas acompanhado do general Crittenberg, comandante do 4º. Corpo de Exército do qual fazíamos parte.
16 de setembro de 1944: o 6º. Regimento substitui o 334º. Regimento Americano, do Neros, passando a primeira linha e ocupando um setor de 4.000 metros aproximadamente.
17 de setembro de 1944: ocupamos as primeiras localidades italianas: Massarosa e Bozzano. Este era o destacamento do General Zenóbio da Costa em operações de marcha para o combate com a Linha Gótica, a oeste da Península.
18 de setembro de 1944: ocupamos, sem baixas, a cidade de Camaiore.
30 de setembro de 1944: a 8ª. Companhia ocupa as cidades de Borga, Manzano e uma aldeia de nome Formole.                          
01 de outubro de 1944: o soldado Aguiar, após ser ferido, vai em frente em direção à arma que o atingira e morre no local, recebendo uma rajada de metralhadora.
05 de outubro de 1944: o 2º e o 3º. Batalhões ocupam as posições na região de Polazzo, Torre de Nerone, Volpara e Castelacio, estabelecendo novo contato com o inimigo e sofrendo várias baixas.
06 de outubro de 1944: no vale do Rio Serchio, a 7ª. Companhia ocupa as localidades de Formachi e Barga. Nessa missão, eu tive participação direta: nosso Capitão, perdendo contato com o 1º, 2º e 3º pelotões avançados, me ordenou que eu entrasse nessa cidade com uma patrulha. Lancei mão dos elementos de que dispunha com a Seção de Comando e tive o privilégio de ser um dos primeiros a entrar na cidade de Formachi, enquanto parte dela estava ocupada por tropas alemãs.
07 de outubro de 1944: uma patrulha alemã fortemente armada entrou na cidade de Formachi com as armas a tiracolo, cantando a canção alemã “Lili Marlene”, quando foi surpreendida pela Seção de Comando e o 3º Pelotão. Abrimos fogo e eles se dispersaram, sendo que uma parte conseguiu fugir. Nessa operação, foram presos 4 soldados alemães e 2 russos, com suas armas, sendo uma submetralhadora e uma pistola automática P. 38. Depois de uma hora de represálias, recebíamos uma carga de granadas do famoso morteiro 88. Essas não assobiavam. Elas faziam o famoso cha,cha,cha.... Um estilhaço feriu-me a perna esquerda e um de meus remuniciadores teve ferimento no ombro. Fomos medicados no Posto de Padioleiros avançado.
11 de outubro de 1944: continuamos a nossa progressão para o Norte. Tomamos a cidade de Barga, onde morreu o 2º Tenente Osvaldo Pinheiro de Mendonça, comandante do pelotão, que pisou num campo minado, segundo depoimento do 3º. Sargento Francisco Leite de Morais, de Santa Branca, que apanhou parte de seu corpo e enrolou num cobertor, na Província de Gallicano.
22 de outubro de 1944: uma patrulha brasileira constituída por uns 20 soldados, sob o comando do 2º. Tenente Manoel Barbosa, chocou-se com o inimigo, e, submetida a intenso fogo, refugiou-se numa casa. Algumas granadas incendiárias foram lançadas sob a casa, tendo desaparecido o 2º Tenente Manoel Barbosa, o 3º Sargento José de Barros Filho, o Cabo Amintas Peres de Carvalho e os soldados Mario Gonçalves da Silva e Guilherme Barbosa de Mello.
30 de outubro de 1944: o 6º Regimento de Infantaria ataca a leste do Rio Serchio e conquista, apesar da resistência inimiga, as regiões de Lama di Sotto e Monte San Quirico.
31 de outubro de 1944: o inimigo ataca nossas posições em Barga, onde fica ferido o 1º Tenente José Maria P. Duarte, que, devido ao intenso combate não pôde ser transportado pelos seus colegas, que o escondem, com a finalidade de mais tarde buscá-lo. Eu, mais uma vez, guarnecia, com a Seção de Comando um entroncamento estratégico, com uma metralhadora P50, bazucas e outras armas. Fui notificado e vi partir uma patrulha com alguns soldados, sendo um deles de Jacareí: Luis Antonio da Silva, ou Guandu, comandados pelo capitão Altatino Cortes Coutinho, com a missão de trazer o tenente José Maria. Sem êxito. Não mais o encontraram.
08 de novembro de 1944: o sargento Onofre Rodrigues de Aguiar, natural de Mogi das Cruzes, se infiltrou em uma posição alemã e aprisionou 2 soldados e suas metralhadoras. Por esse ato de bravura, foi promovido a 2º Tenente.
Meados de novembro de 1944: no início de novembro de 1944 a meados de fevereiro, sofremos o inverno. Nesse período, fomos às margens do Rio Reno, ao norte e a oeste de Porreta Termas. Aí a FEBE passou a atuar com uma divisão inteira sob o comando do General Mascarenhas de Moraes.* Desta feita, foram executados ataques malogrados a Monte Castelo. Fase de heroísmo dos Pracinhas em território de ninguém.

* “ Não obstante as chuvas que não paravam de cair, as tropas avançaram em direção ao alvo proposto, conquistando pequenos pontos, como Lama di Soto, Monte San Quirico e Somocolonia.  Isso foi a 30 de outubro de 1944. Os sucessos deram ânimo para o ataque maior e fulminante a Castelnuovo, que deveria ser realizado no dia seguinte. Mas, antes disso, os alemães contra-atacaram com todo seu poder de fogo, obrigando os brasileiros a recuar a Somocolonia.  Depois desse insucesso, Zenóbio permanece com a Infantaria, mas sob as ordens de Mascarenhas de Morais, que assume em definitivo o comando da 1ª Divisão. Os brasileiros foram transferidos, então, para o vale do rio Reno a 120 quilômetros do vale do Serchio. A essa altura, tínhamos feito 208 prisioneiros e os alemães aprisionaram 10 dos nossos. Mas o insucesso da última batalha nos custou 13 mortos e, desde o início de nossa participação, contabilizávamos 183 feridos em acidentes e 87 em combate. A guerra começava a pesar, e não era nem uma amostra do que estava por acontecer.” (Os pracinhas na Guerra, A cobra fumou na Itália, capítulo 11)

(segue na próxima postagem)

Um comentário:

  1. Até a primeira metade do século passado, pegar um navio com destino à Europa era glamour puro. Luxo, primazias, exclusividades.... tudo do bom e do melhor.
    Mas, eis que um imbecil acha que pode e dá o primeiro passo invadindo a Polônia.
    E nossos pracinhas, pegos de surpresa, são colocados a bordo sem nenhum glamour, muito pelo contrário, muito suspense e a grande preocupação: quais voltariam?

    Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá!

    ResponderExcluir

Este comentário será exibido após aprovação do proprietário.