sexta-feira, 25 de abril de 2014


Memórias dos pracinhas na II Guerra Mundial: Geraldo Moacir Marcondes Cabral




Em 27 de julho de 1979, o jornal Valeparaibano publicou um caderno, em Edição Especial, com o título: Documento: Segunda Guerra Mundial.
Na capa, vinha o seguinte texto:

“Neste caderno estamos enfocando a participação dos joseenses na Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutou nos campos de batalha contra os nazifascistas.
O trabalho é de Geraldo (Moacir) Marcondes Cabral e é publicado com a contribuição da Divisão de Cultura, lazer e Recreação e Turismo da prefeitura de São José dos Campos. É um documento inédito que oferecemos aos nossos leitores nesse aniversário de São José dos Campos.”
Desse suplemento, que guardo há mais de 30 anos, publico para vocês, trechos do depoimento do expedicionário Geraldo Moacir Marcondes Cabral, que nasceu em Pindamonhangaba em 10 de fevereiro de 1920. Ele  morava em Jacareí, e foi convocado como reservista do 5º. Regimento de Infantaria (Companhia de Metralhadoras) cujo 2º. Batalhão estava sediado em Pindamonhangaba. Embarcou para Nápoles, recrutado pela com a 3ª Companhia de Taubaté, para o 1º Batalhão.
 Transcrevo esse testemunho, embora não seja de um ex-combatente de Jacareí, porque acredito que todos os soldados expedicionários do Vale do Paraíba, que juntos embarcaram, juntos permaneceram sob as ordens dos mesmos oficiais, participando das mesmas batalhas, comemorando as vitórias e chorando a perda de companheiros mortos, tornaram-se membros de uma mesma família: A brava família dos valorosos soldados que foram defender as cores verde-amarelas de nossa Pátria na Segunda Guerra Mundial.
Suas memórias são nosso maior patrimônio histórico, oral, dessa época.

Abaixo seguem as memórias do Expedicionário Geraldo M. Marcondes Cabral, descritas pelo próprio.

“Tomando o depoimento de alguns ex-combatentes, estes me pediram que desse o meu testemunho também, o que vou fazer em homenagem a eles, pois fui da turma de Jacareí, vindo residir em São José dos Campos em 1948, trazido pelas mãos desse grande amigo, o Eliseu de Oliveira, quando o Vale do Paraíba estava numa terrível recessão e era difícil arranjar um emprego.
Eu vinha em 1941, como reservista do 5° Regimento de Infantaria (Companhia de Metralhadoras), cujo 2° Batalhão estava sediado em minha terra natal – Pindamonhangaba, para trabalhar para o Salomão Becker, em Jacareí. Como ganhava muito pouco, resolvi ir tentar a vida em São Paulo.
 Morava, então, numa pensão na esquina da Cutumbi com a Cachoeira, porque ficava perto da fábrica e me permitia trabalhar horas extraordinárias para reforçar o salário que era de 220 cruzeiros mensais.
No dia 11 de outubro, muito cansado, fui deitar mais cedo e dormia como uma pedra, quando a porta começou a ser espancada. Acordei tonto de sono e fui abrir a porta: era o estafeta do Telégrafo com o telegrama convocando-me para as fileiras do 6° R.I.
Pracinhas brasileiros embarcando para a Itália (foto Internet)
No dia seguinte fui à fábrica e acertei as contas e parti para Caçapava, mas a incorporação só ocorreu em dezembro desse ano. Fui designado para servir como terceiro sargento na 7° Companhia do III Batalhão de Lins, na Noroeste. Lá precisei operar a hérnia na Santa Casa, motivo pelo qual acabei sendo transferido para Taubaté, para a 3ª Companhia do I Batalhão, com a qual segui em março de 1944 para o Rio de Janeiro e dali para Nápoles, embarcando no 1° Escalão no dia 29/6/44. Quando entramos para os beliches no navio “General Mann”, tudo estava escuro, um não enxergava o outro. De manhã, quando acordei, o companheiro ao lado era o meu irmão José Dimas, que como arrimo de família, jamais deveria ser convocado, nem seguir para a guerra. Depois de 14 dias de viagem, chegamos em Nápoles, indo para o vulcão extinto de Bagnoli, onde a poeira era fina como trigo e a falta d’água era uma realidade. Tomar um banho era problema e ainda por cima a gente era obrigado a fazer a educação física no meio daquela poeira. Com tanta poeira e com a falta d’água, todo mundo ficou encardido.” (Cabral, G.M.1979, pág. 48)

O Brasil na Itália (foto Internet)
“As saídas, sem licença, desse acampamento, dos nossos soldados fizeram com que o comando tomasse as suas providências. Como todos estavam alojados em barracas, foi feito um cercado de madeira (pau a pique), para servir de prisão, logo batizado de “chiqueirinho”. A qualquer falta, vinha a ameaça de mandar para o chiqueirinho.” (Cabral,G.M. 1979, pág. 48)

“De Bagnoli seguimos para Tarquinia e depois para Vada. Nesses locais tomamos conhecimento com as armas que iríamos usar e recebemos treinamento que muito nos ajudou a vencer no campo de batalha, sem perder muitos homens do 6° R.I. morreram apenas 54, enquanto o 2° escalão perdeu mais de 300 por não ter passado pelo mesmo treinamento.
Em Vada os treinamentos foram mais intensos e até chegamos a simular um combate, ás vistas de generais norte-americanos, que gostaram e mandaram que a tropa estivesse pronta para o batismo de fogo.
Não se passaram muitos dias para que estivéssemos na luta, começando por Filetole até chegar a Camaiore, onde obteve a FEB um dos maiores sucessos. Tomei parte na tomada do Norte Valimona, onde nossa 3ª Companhia garantia o flanco direito da tropa que atacou Camaiore. Nesse combate morreu o joseense Névio Baracho.
Da região de Camaiore, partimos para o combate de Barga, onde o insucesso foi total, devido à falta de apoio e de reforços. A maior parte teve de recuar e os que ficaram foram salvos por milagre ou foram mortos e aprisionados.
Trata-se do combate pela posse de Colle San Chirico. O comando da FEB não soube calcular a importância desse setor, pois se fosse tomada essa posição, os brasileiros enfiariam uma cunha nas tropas alemães e queimariam etapas rumo ao norte da Itália, coisa com a qual os nazistas jamais concordariam, tanto que colocaram ali tropas escolhidas, inclusive SS. Para se tomar uma posição como aquela, era necessário não só uma coluna de tanques, como apoio aéreo, pelo menos de observação.
Ocorria, ainda, que a região estava infiltrada de fascistas, que passavam todas as informações para o inimigo.


No dia 30 de outubro de 1944, o II Batalhão do 6° R.I. recebeu ordem de avançar sobre Colle San Chirico, como mochila e munição aliviadas! Às 13 horas a 3ª Companhia partiu no ataque. Meu grupo conseguiu chegar até o objetivo, mas sofreu uma baixa, o soldado Vicente Batista, que morreu nos meus braços, após receber um tiro na cabeça. O soldado Toledo foi ferido no joelho por perfuração de bala e eu tive de ceder um soldado pra acompanhar o padioleiro que o socorreu.
No dia seguinte, 31 de outubro, juntamente com o comandante do Pelotão, tenente Figueiredo, fomos reconhecer a situação e recebemos rajadas de metralhadoras quase à queima bucha. O tenente recuou com meu grupo, enquanto juntamente com o comandante da Companhia, procurávamos de dentro da casa, reconhecer o inimigo. Por fim, ficamos sitiados dentro da casa, que por ser encravada no morro, tinha saída de seus três andares para terra. Éramos oito dentro da casa. Às seis horas, vimos o soldado apelidado de Gambá ser alvejado pela metralhadora alemã, que lhe arrancou a metade do rosto. Com grande dificuldade conseguimos trazê-lo para dentro da casa, mas pouco pudemos fazer por ele, senão derramar-lhe sulfa em pó no ferimento, mas ele não tinha a bochecha, a sulfa ia para sua boca. Não havia gaze nem algodão. Restava dar-lhe aos poucos alguns goles de água.
Na porta lateral, de metralhadora em punho, estavam o soldado José Ribeiro Bastos, eu e o cap. Atratino Cortes Coutinho. Em dado momento, um alemão se encaminhou para o nosso lado e o capitão Atratino o abateu a tiro de carabina. Lembro-me que um soldado alemão que vinha um pouco atrás gritou Wilherm, para advertir, mas Guilherme já estava morto.
Foi o quanto bastou para que os alemães concentrassem fogo sobre a casa e, em dado momento, alguns entraram no 3° andar da casa e começaram a rolar granadas de mão sobre nós. O único recurso era saltar pela janela, que dava passagem a um de cada vez. O primeiro a saltar foi o cap. Atratino; em 2° saltou o tenente José Maria Pinto Duarte e foi serrado no ar. Pela metralhadora. Como eu era o mais magro, saltei em 7° lugar, deixando com grande tristeza, no interior da casa o soldado Gambá, que nervosamente tentava levantar-se. Caí ao chão e quando fui atravessar a cerca tomei um estrepe mourão da cerca, que depois me produziu uma enorme inflamação, obrigando-me a ir para o hospital, com ameaça de gangrena.
Depois que atravessei a cerca, vi o tenente Duarte esvaindo-se de sangue e quis socorrê-lo, mas o cap. Atratino gritou-me para sair daquela área. Levantei-me rezando a Nossa Senhora e passei a abandonar o local, mas alguma coisa me segurou, quando uma bala passou zunindo nos meus ouvidos e pegou o bico da minha botina. Naquele dia nasci de novo. Dali segui pelo campo escondendo-me nas parreiras e quando corria era perseguido por tiros de metralhadoras e petardos de morteiro. Enfim consegui chegar a um local sem perigo, mas a pele dos meus calcanhares tinham saído, meu pé era uma chaga, tanto o direito como o esquerdo. Encontrando um riozinho fui lavar as feridas e quase virei com vertigem.” (Cabral,G.M. 1979, pág. 48)


5 comentários:

  1. Salvou-se por sorte ou ação do destino, nunca saberemos.
    Mas, triste fim dos 300 que não tiveram treinamento e foram jogados aos leões.
    Isso jamais poderia ter acontecido, mas, como julgar?

    Chuva de balas, granadas, morteiros... assim nascem os bravos.

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  2. Como professor universitário e admirador dos pracinhas da FEB, fico pensando quando é que o MEC finalmente dará mais espaço no curriculo estudantil para a participação brasileira na 2a. Guerra. Estes soldados estão esquecidos; somente lembrados por quem se interessa pelo tema! Os estrangeiros cultuam muito mais intensamente os feitos brasileiros do que nós! Parabéns por divulgar estes relatos, que eu nem sabia existirem.

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  3. Prezada Ludmila,
    Estou escrevendo a biografia do Brigadeiro Roberto Brandini, heroi da FAB lutando na Campanha da Italia durante a 2a. Guerra Mundial. Uma seção extremamente importante da biografia serah o processo de formação e dos pracinhas e cmo foi a participacao deles. Assim, te pergunto se vc poderia copiar e me enviar a reportagem completa que foi publicada no Valeparaibano de 1979, pois eh uma referencia muito dificil de conseguir, e que contem informacao interessante sobre os pracinhas. Por exemplo, no documentario do jornal um pracinha ficou no mesmo campo de concentracao de pilotos da FAB, e assim por diante. Se vc quiser entrar em contato, meu e-mail eh luc.felicio@gmail.com Obrigado.

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  4. Muitíssimo emocionada com o relato escrito por meu avô, no ano do meu nascimento, contando com riqueza de detalhes o que enfrentou lutando em favor da vida dele, de conhecidos e milhares de desconhecidos. Meu avô foi um homem incrível, bondoso, corajoso e que lutou durante toda a sua vida pelo direito dos outros. Um orgulho carregar seu sobrenome!

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  5. Muitíssimo emocionada com o relato escrito por meu avô, no ano do meu nascimento, contando com riqueza de detalhes o que enfrentou lutando em favor da vida dele, de conhecidos e milhares de desconhecidos. Meu avô foi um homem incrível, bondoso, corajoso e que lutou durante toda a sua vida pelo direito dos outros. Um orgulho carregar seu sobrenome!

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