Ponte sobre o Rio Paraiba, tendo ao fundo a visão da residência do Sr. Octavio Martins Acervo Publico Municipal |
Cidade,
cida-de-si
É preciso que
eu descubra uma forma de transpor para o papel o que me vai à mente.
Um processo
novo que transforme a letra em vida, para que o texto surja como a própria
realidade.
E eu tento.
Capturo o instante e o aprisiono e, suavemente, vou me introduzindo na essência
da palavra, então, transcendendo os limites que o papel impõe, rompendo todas
as barreiras surgem esta cidade e o seu
rio, misto de cônica, ensaio e poema (pois, que cântico maior pode existir do
que o inspirado pela vida, em seu dia-a-dia?)
Junção da
lógica e da emoção, meu tema é:
A cidade:
Ela
estende-se na paisagem e desabrocha no silêncio.
Ouço-a dentro de mim e ao derredor – meu corpo
inteiro imerso em seu - e em nós, a Essência
pulsa com o ritmo peculiar deste sentir abstrato.
Seu rosto tem
mil faces e de suas entranhas surgem multidões de seres impregnados pelo forte
instinto de viver.
E eu vejo as
placas, nas esquinas, com nomes dos que passaram, e vejo os largos, clubes,
albergues, hospitais; a nova praça dos velhos poderes; as duas pontes sobre o
eterno rio. E observo a secular escola de janelões enormes, de largos
corredores exalando aromas do tempo que passou. E entro nos espaços, que
pressinto para mim abertos, buscando neles a sequência de ruídos, para compor a
melodia do amanhecer: passos, latidos, risos, buzinadas; rumor das fábricas,
dos carros, do rápido das dez, que em trilhos corre e corta a cidade ao meio. E
falas, gritos e frases soltas mesclam-se ao som inconfundível dos sinos da
matriz. É a melodia eternamente inacabada, inabalável. A harmonia da
desarmonia. A vida que se vive e que se vê. E nela sucedem-se nascimentos e
mortes e vidas brotam qual flores em jardins: os meus, os seus... nem sempre
bem cuidados!
Pergunto
então: Até que ponto seus limites me pertencem, se eu sou seu grito e ela meu
silêncio e de gritos e silêncios somos ambas preenchidas? Se sua noite me
acalenta e em seu novo dia eu me transformo? Se eu sou a atriz e ela o meu
teatro?
Coexistimos.
Vamos ambas crescendo e amadurecendo às margens de um rio.
Do rio eu
sigo o fluxo manso navegando por caminhos que volteiam e volteiam Enfrento os
ventos, as chuvas, as enchentes, inserida em seu elemento e cenário. Nele sou sempre
livre: água, vapor, canoa, garça, peixe, sereia, lenda, areia, melodia... e
para os seus domínios regresso sempre, com
a alma em festa, qual filha pródiga, de volta ao pai.
Meu rio. Meu
reinício. Meu rioinício.
E não é ele a
grande veia que sustenta a vida?
Sua pujança
espanta e quase dói. Dói como a busca de palavras certas para exprimir ideias
pressentidas. Dói como o mistério da vida que em vão tento decifrar.
Minhas
perguntas, todas, em suas águas estão lançadas. Difícil é decifrar suas
respostas, embora eu sinta que nelas encontra-se a única verdade para mim.
O rio é meu
segredo, que docemente guardo.
Eu, a cidade e o rio
Encerro a ideia,
a crônica, o ensaio.
Termina a
magia do momento aprisionado.
Do lado de
fora está a realidade da vida, dos sinos, dos gestos, dos vários idiomas, do
amor e desamor. E também as angustias tão humanas, o nervosismo e a calma, monólogos, diálogos, a mão e a contramão.
E permanecem
rostos, praças, ruas, avenidas, semáforos, postes e faróis. E estão as árvores
frondosas com pássaros e flores, e cães e gatos passeando nos quintais; e
bancos de jardins e bancos de dinheiro, e morros e bicicletas sempre em
profusão. E permanecem os buracos, as
calçadas, os bares, lojas clubes. E tem
a JAM formando seus guardinhas e a banda, os coretos e os rojões. E o Combate,
e o Diário e a nossa Radio Clube. A Prefeitura, o Fórum e as torres de TV. que
cortam os céus trazendo as novidades. E vivem engenheiros, advogados, médicos,
poetas. Leões, Rotarianos e maçons. E também vivem meretrizes e pedintes, ladrões
e operários. E estão a lua, o rio, as chuvas de janeiro, e o tráfego confuso, a
poluição...
E permaneço
eu também – meu nome se anuncia: Lud, simplesmente, como gostam de chamar.
Procuro, persistente,
deixar um marco, o meu registro. Algo como se fosse: “Hei! Também estive aqui!
Aqui sonhei, cantei, chorei, voei, nadei e ainda vivo. Eu pássaro. Eu peixe. Eu rio e eu, também, às
vezes, gente. Eu, gente às vezes!
O resto não
importa. Não passa de ilusão...
É noite. No
silêncio do quarto ecoa seco, o ruído das teclas no papel, das frases rápidas
que nascem e tingem com seus significados
a folha em branco.
A madrugada
se aproxima e eu me preparo. De novo sigo em busca do momento que torno a
pressentir...e amanhece!
E é isto o
que me vem da vida, do rio e da cidade, da qual eu sinto todo o peso destes 323
anos que também vivi: A vida que flui de mim a cada aurora.
De mim,
Ludmila, nesta Jacareí.
(Texto
vencedor do concurso: “A cidade e o rio”, promovido em 1975 pela Secretaria
Municipal de Educação e Cultura da Prefeitura de Jacareí)
DEUS DO CÉU...QUEM TEM PADRINHOS NÃO MORRE PAGÃO, NÉ? ESTÁ MARAVILHOSO !!!
ResponderExcluirVC ESCREVER EM UMA PÁGINA LINDA ASSIM É PURA QUESTÃO DE JUSTIÇA...PARABÉNS, LUD QUERIDA...
Obrigada, Leo, por estar sempre presente em minha vida!
ResponderExcluirQuem tem amigos não morre pagão!
Beijos! Carinho!
Querida, um beijo grande e todo o meu amor por vc e por seus textos. Bj, minha irmã,
ResponderExcluiresther
Saudades, Esther, muitas, de você e de sua energia que sempre me faz tanto bem! Beijos!
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