sexta-feira, 21 de junho de 2013


Bolinho Caipira de Jacareí.


Caros amigos, a terceira parte de meu livro Jacareí: Tempo e Memória tem por título Sabores do Passado. Sim, porque as nossas lembranças não se restringem, apenas, aos relatos históricos e às fotografias. Nós sentimos saudades e nos lembramos com nosso corpo inteiro! Nosso passado, de forma indelével, deixou gravadas em cada um de nós, também, memórias sensoriais: de cheiros e gostos; de sons e texturas.Nela, através de receitas de família, resgato um pouco da arte culinária deste nosso Vale do Paraíba, tão rica em sua simplicidade e tão saborosa em sua diversidade. É muito prazeroso, para mim, saber que terei vocês como companheiros inseparáveis nessa nossa viagem, também gastronômica! Vamos, pois, inicia-la! E, nada melhor do que começar com a história do Bolinho de Jacareí, em homenagem à Dona Nicota, que, com certeza, trará muita sorte para esta página!
Bolinho Caipira de Jacareí
 ingredientes:
1 prato fundo de farinha de milho branca - 1 colher cheia de polvilho doce - 1 maço de cheiro verde, predominando alfavaca (o manjericão miúdo) sal a gosto
como fazer:
Misturar bem com as mãos, esfarelando, adicionando água em temperatura ambiente até dar ponto para enrolar. O recheio pode ser linguiça ou carne de porco picadinha, o recheio mais pitoresco é com peixe, principalmente lambari. Fritar em óleo bem quente.
Historia do Bolinho Caipira de Jacareí
(texto de Jussara Gehrke, neta dos protagonistas)
Eduoard era moleque quando nasceu um bebê na casa vizinha. Todas as crianças se alvoroçaram para ver a criancinha da casa dos portugueses. Era a menina Anna Rita, filha de dona Julia, a nova habitante daquela rua. Uma tarde os alemãezinhos foram chamados para ver a menininha no berço. Uma das tias que lá estava se dirigiu à Edouard e vacinou: “Nasceu a sua noiva”. E foi assim. Cresceram juntos e quando a menina completou 19 anos vestiu grinalda e flores de laranjeira para se tornar a esposa de Edouard, imigrante alemão então com 27 anos, que trabalhava no comércio. A nova família crescia, cada vez com mais dificuldade para criar os filhos. Ela tinha o apelido de Nicota e ele era Edo. Dona Nicota era excelente cozinheira. Ela, com os parcos recursos, criava receitas como podia, para alimentar a família. Edo era um homem recatado, quase tímido, que sofria preconceitos por sua ascendência germânica, em um momento político-social conturbado no mundo, com a Primeira Grande Guerra. Não conseguia boa remuneração nos trabalhos que encontrava. Foi numa conversa ao pé do fogão de lenha, que Edo e Nicota decidiram mudar os rumos da família para garantir a sobrevivência. Era o ano de 1925. Eles juntaram as economias e compraram um box no Mercado Municipal de Jacareí, onde montaram o Botequim do Café. Nicota preparava salgados e doces e o ponto foi ficando conhecido. Muita gente começou a ir ao mercado provar os quitutes daquela pequena senhora que produzia grandes sabores. E, dentre tudo que fazia, o que tinha mais destaque eram os bolinhos de farinha de milho branca, recheados com carne de porco, que ela havia aprendido com a mãe. Esses eram também os prediletos de Edo, que a ajudava no botequim com as compras e a contabilidade. O bolinho chamado de “caipira” (nome dados a pessoa que vive na roça) deve sua criação aos tropeiros que passavam pelo Vale do Paraíba em direção ao interior, onde primeiro foi cultivado o milho, vindo dos países do leste da América do Sul. O milho é o alimento de milhares de anos dos povos da região do atual México e que primeiro se espalhou para o sul e depois para o mundo. Quando os tropeiros voltavam, traziam a farinha de milho, pois era mais leve que a de mandioca para carregar no lombo dos burros. Já a carne de porco para o recheio, eles encontravam nas pequenas criações pelo caminho. Foram os primeiros tropeiros que trouxeram o milho para a região do Vale e ensinaram a fazer a farinha e o bolinho. Como seu caminho acompanhava o percurso do Rio Paraíba do Sul, rico em peixes, uma das variações do bolinho era com recheio de peixe, principalmente o lambari. E entre 1925 e 1953 dona Nicota trabalhou dia e noite fazendo seus quitutes e fritando bolinhos. Ela ficou viúva e continuou na labuta para criar os filhos. As filhas mais velhas a ajudavam no Botequim até quando ela, já envelhecida e com dificuldades para continuar com esse encargo, vendeu o negócio. Octávia, irmã de Nicota casou-se com um soldado e foram morar em Caçapava onde havia um batalhão do exército. Lá, seguiu o exemplo da irmã e para ajudar a família, difundiu o bolinho caipira usando a farinha de milho amarela que era mais comum. Devagar a simples receita de farinha, água e carne se espalhou por todas as cidades da beira do rio e em cada uma tem uma nota diferente, um tempero, um modo de fazer. A partir de 2010 a receita do Bolinho Caipira da Dona Nicota é considerada, por lei, como Patrimônio Cultural Imaterial de Jacareí.

2 comentários:

  1. Lu, apenas uma observação na receita, o polvilho usado no bolinho caipira é o doce.

    Esse blog está lindo!

    beijo
    Ju

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  2. Obrigada, linda! Obrigada por seu carinho e generosidade por me permitir usar seu texto, fotos, receita. Grande beijo! Vou consertar a farinha...

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