quinta-feira, 10 de outubro de 2013


Memórias de Arlindo Scavone

Arlindo e Jovita Scavone  no centro da foto
“Eu nasci em Jacareí, na Rua Direita, hoje Antonio Afonso, em 10 de setembro de 1903.
A vida aqui era muito difícil para nós, naquele tempo. Meu pai, Batista Scavone, era barbeiro. Ele veio da Itália e, pelas conversas que eu ouvia, ele veio inicialmente para Campinas. Minha mãe nasceu em Pindamonhangaba.
As famílias eram muito respeitadas. A gente fazia muitas visitas. Você recebia uma visita hoje, daí a alguns dias você tinha por obrigação, pagar aquela visita. Eram visitas cerimoniosas. Em quase todas as casas, havia um piano e alguém que sabia tocá-lo. Então, começava a música, vinham os docinhos, era uma coisa de que eu gostava muito. Apesar de nós vivermos com dificuldades, foi a melhor época de minha vida.
À tarde, por exemplo, o hábito era que todas as famílias colocavam as cadeiras na porta e ficavam conversando. As crianças brincavam na rua, porque não havia carro, motocicleta, não havia nada. A nossa vida de crianças era essa: brincávamos de pega-pega, passa anel, botão, pião. A gente mesmo fazia uns piões de brejaúva, que cantavam no chão. A gente descascava a fruta, tirava o miolo e fazia o pião que tinha três, quatro vozes diferentes. Cada um tentava fazer o pião mais cantante do que o outro.


Eu me lembro de que a luz elétrica era gerada à lenha, que funcionava lá na Rua Lúcio Malta. Eu me lembro de quando foi instalada a luz elétrica do José Bonifácio, quando colocaram os postes, os fios,  e houve a inauguração. A força, então, vinha de Guararema. A luz vinha das seis da tarde em diante. Pela manhã não tinha luz.
Meu pai sempre quis progredir. Quando soube que o José Bonifácio tinha comprado um motor e um moinho para a torrefação do café, ele comprou dele por duzentos mil réis e instalou, nos fundos do quintal de casa, onde havia um rancho muito grande.
Para a torrefação do café, usava-se uma frigideira bem grande, de uns dois metros de diâmetro, onde se despejava o café e com o rodo de madeira ia mexendo e esperando torrar. Depois se colocava para esfriar. Esse serviço era feito de dia. Durante a noite, quando vinha a força elétrica, depois de jantar, meu pai trabalhava até as três, quatro, cinco horas da manhã, moendo os grãos. No dia seguinte, a gente empacotava e vendia para São José dos Campos e Guararema. Era o ano de 1910 e nossa região ainda era cafeeira.
A marca de nosso café era Café Delicioso.
O Lencioni tinha fábrica de macarrão, tinha torrefação, padaria e tinha também uma refinação de açúcar.
Depois meu pai montou o bar, ali no Largo da Matriz, onde hoje está o pessoal do Blois.  Mamãe fazia em casa o café com leite, sanduíches, sorvete, que eram vendidos no bar. Vinha o gelo de São Paulo, da Antárctica, em grandes caixas quadradas, no meio da serragem, para conservar o gelo mais tempo.
O Perretti vendia sorvete na rua. O bar tinha muita frequência, por causa do Ginásio Nogueira da Gama. Meu pai era muito benquisto pelos estudantes, professores e diretores.
Um dia, os alunos ficaram presos no Ginásio, de castigo, e meu pai tinha comprado um estoque grande de mercadoria, então ficou desesperado, porque aquilo tudo iria se perder. Se não vendesse aos alunos, ninguém mais compraria. Papai foi então até o Ginásio e falou com o Lamartine, que suspendeu o castigo. Em uma hora, eles consumiram tudo!
Lembro-me de que em 1910 houve um reboliço na cidade, porque se dizia que o mundo ia acabar. Foi quando passou aquele grande cometa.  Toda a população de Jacareí se juntou no largo da Matriz para ver quando o rabo do cometa ia bater na terra. Vários dias o pessoal se reuniu para esperar o cometa passar. E ele passou e não aconteceu nada! (trecho retirado do livro: Jacareí: tempo e memória, que será lançado em breve)

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