sexta-feira, 20 de junho de 2014


Memórias do Padre Dr. Ramon Ortiz


Padre Dr. Ramon Ortiz
Tendo a chácara por cenário, incrustada na vegetação e enriquecida pela simplicidade da mesa posta (café, garapa, bolo e biscoito), encontramos, eu e o Sr. Odilon de Siqueira, o padre Dr. Ramon Ortiz, tranquilo, entre retratos, livros e lembranças, envolto por aquela aura de magnetismo, que lhe era peculiar e que cativava ao primeiro contato.
“O que levaria um jovem a optar pela vida religiosa? perguntei.”
 Eu nasci aqui mesmo, no Vale do Paraíba, aos 17 de outubro de 1902, em Taubaté. Por aí a Sra. pode ver que já sou um pouco antigo. Vim a Jacareí em 1945. Tomei posse, nesta cidade, da paróquia da Imaculada Conceição - a única que havia, em 6 de janeiro, dia da Boa Estrela, e sempre me dei muito bem por aqui.
Jacareí, "naquele tempo”, era uma cidade relativamente pequena. Calculava-se a população entre 25 e 30 mil habitantes ao todo. Vê-se, por aí, como a cidade se desenvolveu. De um lugar tranquilo, provinciano, aconchegante, passou a grande centro industrial com toda a agitação e movimentos peculiares a essa condição.
entrevista gravada com o padre Ramon Ortiz em outubro de 1979
Se eu nasci com a vocação para o sacerdócio, não me lembro; mas ainda menino, em Jambeiro, minha cidade natal, eu já me dedicava ao serviço da Igreja. Certo dia, apareceu por lá, o celebre bispo de Taubaté - D. Epaminondas - que me convidou a ir para o Seminário. Falou com meus pais e ficou tudo assente. Corria o ano de 1912. Fui para o Seminário de Taubaté, onde fiz o curso superior e me ordenei em 1925. Alguns anos depois de ordenado, fui a Roma. Segui na Universidade Gregoriana o curso de Direito Canônico, onde me bacharelei e licenciei-me. Entretanto, devido à guerra, fui obrigado a retornar ao Brasil, porque realmente eu não queria ficar lá durante a guerra. Passar cinco anos na Europa, que foi o tempo que durou a guerra, eu realmente não desejava.
Voltei, sem plano de continuar meus estudos. Mais tarde, tive a oportunidade de conhecer alguns padres canadenses, que vieram a São Paulo, e aos quais me liguei por laços de grande amizade. Assim, quando eles retornaram ao Canadá, fizeram questão de que eu também fosse. Fui e me inscrevi num curso de doutorado na Universidade de Quebec, e foi lá que me doutorei em Direito Canônico.
Direito Canônico é o direito que rege a Igreja nas suas relações particulares - Direito Privado - e nas suas relações com as outras entidades, com as nações. Eu fui advogado da Igreja na Cúria de São Paulo, e fui também juiz, no Tribunal Eclesiástico de São Paulo.
Lecionei na PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde eu tenho inúmeros trabalhos publicados, porque eu fui também o diretor de sua revista durante doze anos.


Mas, voltemos a Jacareí de 1945. Quando aqui cheguei, a política estava nas mãos do Sr. Odilon de Siqueira - prefeito. O juiz de direito era o Dr.Paulo de Oliveira Costa, e o promotor, o Dr. Armando de Azevedo. O médico da cidade era o Dr. Pompílio Mercadante, figura muito querida de todos, e já me recordo do Jarbas e sua farmácia.
O relacionamento do pastor com seu rebanho era bem mais familiar. A gente tinha mais contato com as pessoas, porque a cidade era pequena, havia pouca gente de fora, todos eram conhecidos e formavam quase que uma única família. Hoje é diferente. O relacionamento é mais do tipo de organização, que é como a época exige.


Mas, naqueles tempos, havia um costume em voga no Brasil, no mês de dezembro, mês dos Presépios, que era o das Pastorinhas. Eu cheguei a formar um grupo de Pastorinhas, em Jacareí, que não progrediu muito porque eu era só, e a paróquia já crescia e me exigia muito. Era um grupo de meninas que cantava e ia visitando os presépios. Aliás, havia aqui um, que era famoso e muito visitado. Era o presépio da família Maciel, organizado por dona Sinhazinha Maciel, em frente à farmácia do pai do Sr. Odilon de Siqueira, na antiga Rua Direita, hoje Rua Antonio Afonso. Era o que de maravilhoso poderia se ver em matéria de presépio, aqui, quando cada família construía o seu. A família Maciel conservava o ano inteiro, e o ano inteiro aquela residência recebia visitas. Alias, na época, era comum as famílias se esmerarem na construção de seus presépios, para ver quem conseguiria confeccionar o mais belo e o mais interessante. Minha mãe, aqui nesta casa, também fazia o seu, do qual eu ainda guardo uma lembrança ate hoje. No seu último ano de vida, ela o armou numa caixinha que vou lhes mostrar, com suas peças originais. A devoção do povo aos presépios, naqueles tempos, era fabulosa. Hoje, rara é a casa que ainda monta o seu, não é? (continua...)

Um comentário:

  1. Lembro-me de, quando criança em Jacareí, sempre éramos presenteados com santinhos quando o padre passava por nós - especialmente o Padre Sebastião, de quem eu gostava e veio a Santos oficiar a cerimônia das Bodas de Prata de meus pais em 1974.
    Já o padre Cunha, não falo nada - discuti com ele no confessionário e voltei para o banco, ao lado de minha mãe como se nada houvesse acontecido.
    Será que pequei nesse dia? rrsss

    Mas, fica uma dúvida no ar: O padre Ortiz diz ter nascido em Taubaté e depois afirma que é Jambeiro sua terra natal. Onde ele nasceu?

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