terça-feira, 26 de julho de 2016


Breve roteiro, ou a história da História

Abrindo a estrada para jacareí

Não poderia iniciar estes relatos, sem remeter-me, brevemente, para contextualizá-los à história do descobrimento do Brasil, à fundação da província de São Paulo e, posteriormente, ao nascimento da Vila de Nossa Senhora da Conceição da Paraíba. Por que surgiu esta cidade? Quem foram seus fundadores?  Como os colonizadores chegaram à nossa região e quem eram eles? Que dificuldades encontraram? Tantas perguntas...Tanta história para se chagar às nossas histórias!
Muito pouco se sabe sobre os primeiros anos, ou mesmo os primeiros séculos da Vila de Jacarehy e toda essa antiquíssima região que compõe o nosso Vale.
Se hoje temos um pouco de nossa história resgatada e uma luz sobre tantas questões controversas que envolvem esta cidade, devemos isso ao trabalho sério e metódico desenvolvido durante toda a sua vida, pelo historiador, advogado e prefeito de Jacareí em duas gestões: Prof. Benedicto Sérgio Lencioni. Autor de vasta bibliografia e incansável pesquisador, suas anotações, artigos jornalísticos, cadernos de cultura, fascículos e livros me alimentaram, esclareceram, inspiraram e prosseguem orientando. Agradeço a ele por me permitir, generosamente, utilizar suas pesquisas como fonte de referência neste volume.
Optei por dividir o livro em três partes.
Na primeira, apresento os relatos do botânico, naturalista e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire e a sua visão particular sobre o descobrimento do Brasil, bem como as anotações interessantíssimas que fez durante sua permanência na província de São Paulo, no início do século XIX. Viajo, a seguir, com os tropeiros, para compreender a importância fundamental que tiveram na expansão de nosso território e, permanecendo no século XVII, foco-me, então, em nosso Vale do Paraíba. Exibo dados históricos, distribuídos em ordem cronológica, documentando fatos que julguei serem de maior importância para o entendimento de como a nossa cidade surgiu e, lentamente, progrediu até chegar ao século XX e às lembranças de meus entrevistados. Relaciono cartas de viajantes que por aqui passaram nos séculos XVIII e XIX, ilustrações e apontamentos sobre a fundação da Vila. Apresento-lhes dados que narram a transposição do leito do rio Paraíba, a construção do primeiro hospital, da primeira ponte sobre o rio, unindo os dois lados da cidade. Escrevo sobre o Movimento Abolicionista. Documento o surgimento da Estrada de Ferro; da Usina de Força e Luz, do importante estabelecimento de ensino, o Gymnasio Nogueira da Gama, das primeiras indústrias, do comércio. Cito matérias sobre a Revolução de 32 e a jornada de nossos pracinhas pelos campos de batalha da Itália, na Segunda Guerra Mundial.
Durante um bom tempo, fiquei pensando sobre qual seria a maneira mais adequada de registrar este material, tão rico em dados, e tão pouco divulgado, neste volume. Comecei selecionando livros, artigos, entrevistas de que dispunha, e comentando algumas publicações com meus filhos e amigos. Havia inúmeras informações sobre a região que eles desconheciam completamente. Fatos importantes e interessantes dos quais nunca ouviram falar! Encontrei, em minhas pesquisas, tantos nomes, datas, acontecimentos, referências que me levaram a novas fontes, à descoberta de mais livros e mais autores, que precisava compartilhar! Comecei, então, a produzir rascunhos. Fiz resenhas, sinopses, resumos, mas nada me deixava satisfeita. Ficava tudo, no meu entender, menos saboroso, menos informativo. Então tomei a resolução de transcrever os escritos como eles foram concebidos, formando uma bela colcha de retalhos, adornada com os ricos detalhes de seus autores. Ademais, no projeto que apresentei à LIC, havia proposto resgatar páginas importantes de livros esgotados ou pouco conhecidos, trazendo a público tantas histórias perdidas, que dormiam num berço nada esplêndido do esquecimento. E o livro começou a nascer e a me deixar feliz com a forma que estava tomando. Então, segui em frente, apoiando-me, mais uma vez, no entendimento de Lencioni, B.S.:
“A História nasce, ou renasce, dos documentos. Não furtar dos olhos ávidos do leitor a oportunidade do encontro com a fonte primária das pesquisas é propiciar também que cada um seja coparticipante do estudo. Por esta razão, são inúmeros os trechos de documentos transcritos.” Lencioni, B.S. (1989 –pág.10).

Na segunda parte do livro, publico as entrevistas de todos que me ditaram suas memórias, sem editá-las, simplesmente ao sabor da conversa que se iniciava à tarde e, muitas vezes, prosseguia noite adentro e até em outros encontros.  Nela, os personagens se inserem na história oficial através do testemunho de sua própria vivência e apreensão dos fatos. Às vezes, os corroboram. Outras, narram a sua variante particular, com detalhes surpreendentes, de acordo com sua visão e interpretação do mundo. Nisso está a grande força dos relatos verbais e a grande dificuldade em estabelecer versões históricas e passá-las adiante, enfocando a ótica e a compreensão de um único autor. A história tem várias faces!
Infelizmente, muitas das fitas gravadas com as entrevistas se perderam. Umas, pela ação do tempo, afinal, quase quarenta anos se passaram desde então! Outras, por motivos alheios à minha vontade, mas guardei os depoimentos copiados na íntegra. Tão logo voltava desses encontros, ouvia as fitas e as transcrevia, envolvida, completamente, pelo sentimento das revelações, algumas arquivadas apenas na minha memória. Inúmeras vezes, ao final das entrevistas, o aparelho já desligado e guardado, surgiam comentários, sinapses, detalhes pitorescos que escaparam das gravações. Urgia registrá-los, antes que fugissem de minha lembrança. Assim, ocupei folhas e folhas de cadernos, agendas, blocos e até, em algumas vezes, guardanapos, com a transcrição desses diálogos. As dúvidas que surgiam eram esclarecidas numa ligação ou novo encontro. Nessas ocasiões, mais assuntos vinham à tona, e eu os anotava no que tivesse à mão. Confesso que não foi um trabalho científico de coleta de dados e nem foi esse o meu intuito. Minha motivação apoiava-se, exclusivamente, na pura curiosidade e no encantamento diante de tantas descobertas sobre a vida da cidade e das pessoas que aqui cumpriram seus destinos. Foi, sim, um trabalho amadorístico, guiado por pura intuição. Não sou historiadora, mas adoro a pesquisa. Sempre cultivei, em mim, o gosto pelo passado e sua história, a começar pelas memórias de minha própria família de imigrantes russos, que aportou em São Paulo na década de cinquenta, vinda de um campo de refugiados na Áustria, onde nasci .
O que lhes apresento, pois, nesta segunda parte do livro, é o que de melhor e mais verdadeiro pude apurar desses encontros permeados por lembranças vivas. Muitos dos depoimentos foram publicados em jornais da região, porém, de forma editada. Seria impossível publicá-los na íntegra, por problema de espaço. Mas, aqui no livro, eles estão completos. Tenho certeza de que essa leitura irá remetê-los, cada qual à sua maneira, às suas próprias viagens por uma Jacareí que já não existe mais. Essa, exatamente, foi a intenção que me inspirou a torná-los públicos. Vamos, pois, juntos, empreender esse retorno prazeroso ao passado.
Dizem que uma pessoa sem passado, sem história, sem o conhecimento de suas raízes, é uma pessoa de presente muito pobre. Que este não seja, nunca, o nosso caso!

E, na terceira e última parte escrevo sobre os Sabores do Passado. Sim, porque nossas lembranças não se restringem, apenas, aos relatos históricos e às fotografias. Nós sentimos saudades e nos lembramos com nosso corpo inteiro! Nosso passado, de forma indelével, deixou gravado, em cada um de nós, também memórias sensoriais: de cheiros e gostos, de sons e texturas.
Nela, através de receitas de família, resgato um pouco da arte culinária deste nosso Vale do Paraíba, tão rica em sua simp

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