terça-feira, 26 de julho de 2016


O Brasil é descoberto!

Desembarque de Cabral em Porto Seguro, óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva, 1922 [34] . Acervo do Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro).

O português Pedro Álvares Cabral embarcou em Lisboa, no ano de 1.500, em direção às Índias Orientais. Ventos contrários, no entanto, empurraram as caravelas para o oeste, e o Brasil foi descoberto . Na época, o rei de Portugal, D. Manuel, O Venturoso, estava com toda a atenção voltada para as conquistas de seus generais nas Índias, e pouca atenção deu ao Brasil. Nossa costa setentrional, no entanto, começou a ser explorada por grupos de colonizadores que para cá vieram por conta própria, segundo nos conta Auguste de Saint-Hilaire,  que escreveu vasta obra documentando a vida no Brasil do início do séc. XIX.
Em 1521, o rei D. João III subiu ao trono e resolveu assegurar os direitos que Portugal tinha sobre as terras descobertas, encarregando Martim Afonso de Souza a tomar posse delas em caráter oficial e definitivo. Martim Afonso partiu de Lisboa no final de 1530 e em 30 de abril de 1531 chegou à baía do Rio de Janeiro.
“Uma vez que os Tamoios, índios desconfiados e belicosos, não permitiriam que ele ali se estabelecesse, Martim Afonso continuou viagem até o Rio de La Plata. Em seguida, retornando na direção do norte, entrou a 20 de janeiro de 1532 numa baia que, protegida por duas ilhas muito próximas da terra firme, oferecia o melhor ancoradouro de toda essa parte do litoral. Ele havia recebido ordem de seu soberano para estabelecer uma colônia ao sul do Brasil. Foi esse o local que escolheu, lançando na Ilha de São Vicente os fundamentos da cidade do mesmo nome.” (Saint-Hilaire, 1976, pág.17)
Quando Martim Afonso aportou em São Vicente, os índios que aqui moravam eram os pacíficos Guaianases, liderados pelo cacique Tibiriçá, um poderoso e valente guerreiro. Tibiriçá já conhecia o homem branco, pois sua filha era casada com um náufrago português, de nome João Ramalho. Assim, com a interferência de João Ramalho, índios e colonizadores confraternizaram e fizeram uma aliança contra as demais tribos indígenas que viessem a perturbar a paz. Então,  Martim Afonso dedicou-se à construção da nova vila, nomeou oficiais de justiça e garantiu o direito às propriedades dos novos colonos, que aqui já começaram o cultivo da terra.
“É inexata a descrição feita dos primeiros habitantes da nova colônia como sendo compostos de um punhado de facínoras. Entre os companheiros de Martim Afonso havia até membros da nobreza de Portugal e da Ilha da Madeira. É evidente, porém, que todos deviam compartilhar dos mesmos vícios e das mesmas qualidades comuns em sua época. Eram semelhantes a todos os portugueses dos meados do século XVI. A um tempo inteligentes e pouco esclarecidos, de uma generosidade que chegava às raias da imprevidência, eles juntavam a um espírito empreendedor e aventureiro uma enorme intrepidez, uma grande dose de orgulho e audácia, o amor à glória, o desejo de acumular riquezas...” (Saint-Hilaire, 1976, pág.18)
Para resolver os problemas de colonizar uma região tão vasta neste Novo Mundo, o rei D. João III dividiu o Brasil em diversas Capitanias Hereditárias, doando-as aos membros da nobreza de Portugal, que tinham por obrigação, em contrapartida, defendê-las e cuidar do seu desenvolvimento. A Martim Afonso coube uma vasta extensão de terras que perfaziam 100 léguas  do litoral, a partir do Rio Macubé até a Baía de Paranaguá .
Martim Afonso, no entanto, precisou voltar a Portugal em 1533, e lá tomou a iniciativa de permitir que as mulheres de seus companheiros, que permaneceram no Reino, seguissem ao encontro de seus maridos e também que novos colonos embarcassem para o Brasil. Com eles vieram diversas espécies de animais domésticos europeias e também mudas de cana de açúcar, provenientes da Ilha da Madeira, que possibilitaram a instalação do primeiro engenho de açúcar no novo continente.
“A ausência de um chefe honesto e enérgico não foi o único mal que se abateu sobre os colonos de São Vicente. Outro fator de corrupção surgiu entre eles desde os primeiros dias de sua fundação: havia sido permitida a escravização de índios... Estes, ao perderem os seus hábitos selvagens, tornaram-se ainda mais embrutecidos, e seus amos se embruteciam junto com eles, mostrando-se cada vez mais cruéis... Muitos vicentinos (denominação que a princípio receberam os habitantes de São Vicente) casaram-se com índias, outros as tomavam como amantes ou tinham, mesmo sendo casados, ligações com elas. Dessas inúmeras uniões nasceu um grande número de mestiços, e foi a eles, conhecidos por seus costumes bárbaros, que foi dado o odiado nome de mamelucos, tomado à milícia muçulmana que dominava o Egito”. (Saint-Hilaire, 1976, pág.20)
Em 1549, D.João III, atendendo aos pedidos dos colonizadores, nomeou um governador geral, Tomé de Souza, que embarcou para o novo território, juntamente com cinco religiosos da Companhia de Jesus, chefiados por Manuel da Nóbrega. Quatro anos mais tarde, vieram juntar-se a eles mais sete religiosos, dentre os quais José de Anchieta. Tão logo chegou ao Brasil, Nóbrega fundou um colégio em São Vicente. Os padres da Companhia de Jesus ensinavam os princípios da religião, a leitura, a escrita, a aritmética, a música e todas as artes úteis aos “selvagens” que aqui viviam, protegendo-os, também da exploração do homem branco.
“Os jesuítas não demoraram a perceber que, para se tornarem verdadeiramente úteis aos índios, não deviam ficar confinados ao litoral, habitado unicamente pelos portugueses e seus escravos. Nóbrega decidiu fundar um novo colégio na planície do Piratininga, entregando essa tarefa a Anchieta... No dia 24 de janeiro de 1554, data da conversão de S. Paulo, foi celebrada a primeira missa no novo estabelecimento, que recebeu o nome de São Paulo.” (Saint-Hilaire, 1976, pág.21,22)
Quando falamos da fundação de um colégio, reportamo-nos a uma choupana rústica que abrigava os religiosos e seus discípulos. A igrejinha erguida era uma capela de sapê coberta por folhas de bananeira. Na época, as casas dos paulistas eram provavelmente feitas de barro. Saint-Hilaire cita uma carta enviada por Anchieta ao superior de sua ordem, em 1563, onde o padre descreve que a vila recém-fundada tinha uma porta de entrada e, para a defesa das investidas permanentes de tribos inimigas dos portugueses, eles haviam construído à sua volta uma paliçada.
Saint Hilaire escreve que, em 1585, não havia em São Paulo mais do que 120 habitantes, não se incluindo nesse total os índios escravizados. No início do século XVII, São Paulo possuía 200 habitantes, uma centena de casas, uma igreja paroquial, um convento beneditino, um convento de carmelitas e o colégio dos jesuítas. No final desse século, a população tinha aumentado sensivelmente, mas assim mesmo não passava de 700 habitantes.
“Quando, em 1712, a Província de São Paulo deu início à formação de um governo local, sua capital foi escolhida como resid

Breve roteiro, ou a história da História

Abrindo a estrada para jacareí

Não poderia iniciar estes relatos, sem remeter-me, brevemente, para contextualizá-los à história do descobrimento do Brasil, à fundação da província de São Paulo e, posteriormente, ao nascimento da Vila de Nossa Senhora da Conceição da Paraíba. Por que surgiu esta cidade? Quem foram seus fundadores?  Como os colonizadores chegaram à nossa região e quem eram eles? Que dificuldades encontraram? Tantas perguntas...Tanta história para se chagar às nossas histórias!
Muito pouco se sabe sobre os primeiros anos, ou mesmo os primeiros séculos da Vila de Jacarehy e toda essa antiquíssima região que compõe o nosso Vale.
Se hoje temos um pouco de nossa história resgatada e uma luz sobre tantas questões controversas que envolvem esta cidade, devemos isso ao trabalho sério e metódico desenvolvido durante toda a sua vida, pelo historiador, advogado e prefeito de Jacareí em duas gestões: Prof. Benedicto Sérgio Lencioni. Autor de vasta bibliografia e incansável pesquisador, suas anotações, artigos jornalísticos, cadernos de cultura, fascículos e livros me alimentaram, esclareceram, inspiraram e prosseguem orientando. Agradeço a ele por me permitir, generosamente, utilizar suas pesquisas como fonte de referência neste volume.
Optei por dividir o livro em três partes.
Na primeira, apresento os relatos do botânico, naturalista e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire e a sua visão particular sobre o descobrimento do Brasil, bem como as anotações interessantíssimas que fez durante sua permanência na província de São Paulo, no início do século XIX. Viajo, a seguir, com os tropeiros, para compreender a importância fundamental que tiveram na expansão de nosso território e, permanecendo no século XVII, foco-me, então, em nosso Vale do Paraíba. Exibo dados históricos, distribuídos em ordem cronológica, documentando fatos que julguei serem de maior importância para o entendimento de como a nossa cidade surgiu e, lentamente, progrediu até chegar ao século XX e às lembranças de meus entrevistados. Relaciono cartas de viajantes que por aqui passaram nos séculos XVIII e XIX, ilustrações e apontamentos sobre a fundação da Vila. Apresento-lhes dados que narram a transposição do leito do rio Paraíba, a construção do primeiro hospital, da primeira ponte sobre o rio, unindo os dois lados da cidade. Escrevo sobre o Movimento Abolicionista. Documento o surgimento da Estrada de Ferro; da Usina de Força e Luz, do importante estabelecimento de ensino, o Gymnasio Nogueira da Gama, das primeiras indústrias, do comércio. Cito matérias sobre a Revolução de 32 e a jornada de nossos pracinhas pelos campos de batalha da Itália, na Segunda Guerra Mundial.
Durante um bom tempo, fiquei pensando sobre qual seria a maneira mais adequada de registrar este material, tão rico em dados, e tão pouco divulgado, neste volume. Comecei selecionando livros, artigos, entrevistas de que dispunha, e comentando algumas publicações com meus filhos e amigos. Havia inúmeras informações sobre a região que eles desconheciam completamente. Fatos importantes e interessantes dos quais nunca ouviram falar! Encontrei, em minhas pesquisas, tantos nomes, datas, acontecimentos, referências que me levaram a novas fontes, à descoberta de mais livros e mais autores, que precisava compartilhar! Comecei, então, a produzir rascunhos. Fiz resenhas, sinopses, resumos, mas nada me deixava satisfeita. Ficava tudo, no meu entender, menos saboroso, menos informativo. Então tomei a resolução de transcrever os escritos como eles foram concebidos, formando uma bela colcha de retalhos, adornada com os ricos detalhes de seus autores. Ademais, no projeto que apresentei à LIC, havia proposto resgatar páginas importantes de livros esgotados ou pouco conhecidos, trazendo a público tantas histórias perdidas, que dormiam num berço nada esplêndido do esquecimento. E o livro começou a nascer e a me deixar feliz com a forma que estava tomando. Então, segui em frente, apoiando-me, mais uma vez, no entendimento de Lencioni, B.S.:
“A História nasce, ou renasce, dos documentos. Não furtar dos olhos ávidos do leitor a oportunidade do encontro com a fonte primária das pesquisas é propiciar também que cada um seja coparticipante do estudo. Por esta razão, são inúmeros os trechos de documentos transcritos.” Lencioni, B.S. (1989 –pág.10).

Na segunda parte do livro, publico as entrevistas de todos que me ditaram suas memórias, sem editá-las, simplesmente ao sabor da conversa que se iniciava à tarde e, muitas vezes, prosseguia noite adentro e até em outros encontros.  Nela, os personagens se inserem na história oficial através do testemunho de sua própria vivência e apreensão dos fatos. Às vezes, os corroboram. Outras, narram a sua variante particular, com detalhes surpreendentes, de acordo com sua visão e interpretação do mundo. Nisso está a grande força dos relatos verbais e a grande dificuldade em estabelecer versões históricas e passá-las adiante, enfocando a ótica e a compreensão de um único autor. A história tem várias faces!
Infelizmente, muitas das fitas gravadas com as entrevistas se perderam. Umas, pela ação do tempo, afinal, quase quarenta anos se passaram desde então! Outras, por motivos alheios à minha vontade, mas guardei os depoimentos copiados na íntegra. Tão logo voltava desses encontros, ouvia as fitas e as transcrevia, envolvida, completamente, pelo sentimento das revelações, algumas arquivadas apenas na minha memória. Inúmeras vezes, ao final das entrevistas, o aparelho já desligado e guardado, surgiam comentários, sinapses, detalhes pitorescos que escaparam das gravações. Urgia registrá-los, antes que fugissem de minha lembrança. Assim, ocupei folhas e folhas de cadernos, agendas, blocos e até, em algumas vezes, guardanapos, com a transcrição desses diálogos. As dúvidas que surgiam eram esclarecidas numa ligação ou novo encontro. Nessas ocasiões, mais assuntos vinham à tona, e eu os anotava no que tivesse à mão. Confesso que não foi um trabalho científico de coleta de dados e nem foi esse o meu intuito. Minha motivação apoiava-se, exclusivamente, na pura curiosidade e no encantamento diante de tantas descobertas sobre a vida da cidade e das pessoas que aqui cumpriram seus destinos. Foi, sim, um trabalho amadorístico, guiado por pura intuição. Não sou historiadora, mas adoro a pesquisa. Sempre cultivei, em mim, o gosto pelo passado e sua história, a começar pelas memórias de minha própria família de imigrantes russos, que aportou em São Paulo na década de cinquenta, vinda de um campo de refugiados na Áustria, onde nasci .
O que lhes apresento, pois, nesta segunda parte do livro, é o que de melhor e mais verdadeiro pude apurar desses encontros permeados por lembranças vivas. Muitos dos depoimentos foram publicados em jornais da região, porém, de forma editada. Seria impossível publicá-los na íntegra, por problema de espaço. Mas, aqui no livro, eles estão completos. Tenho certeza de que essa leitura irá remetê-los, cada qual à sua maneira, às suas próprias viagens por uma Jacareí que já não existe mais. Essa, exatamente, foi a intenção que me inspirou a torná-los públicos. Vamos, pois, juntos, empreender esse retorno prazeroso ao passado.
Dizem que uma pessoa sem passado, sem história, sem o conhecimento de suas raízes, é uma pessoa de presente muito pobre. Que este não seja, nunca, o nosso caso!

E, na terceira e última parte escrevo sobre os Sabores do Passado. Sim, porque nossas lembranças não se restringem, apenas, aos relatos históricos e às fotografias. Nós sentimos saudades e nos lembramos com nosso corpo inteiro! Nosso passado, de forma indelével, deixou gravado, em cada um de nós, também memórias sensoriais: de cheiros e gostos, de sons e texturas.
Nela, através de receitas de família, resgato um pouco da arte culinária deste nosso Vale do Paraíba, tão rica em sua simp

Introdução Jacareí: Tempo e Memória

Rua olímpio Catão, Jacareí


“Na realidade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças” (Bergson)

Este é um livro de memórias.  Memórias de pessoas que viveram em Jacareí e que tive o privilégio de conhecer e de ouvir. Pessoas para quem eu era uma completa estranha, mas que, assim mesmo, me receberam em suas casas. Homens e mulheres que permitiram que eu entrasse e com eles vasculhasse esse fantástico território do passado, em busca de recordações: algumas muito vívidas, outras, apagadas, escondidas nos labirintos secretos da mente e que, de súbito, saltaram, afloraram, pediram voz e espaço em suas narrativas.
Estabeleceu-se entre nós, então, um vínculo de afetividade, como ocorre entre velhos amigos. Minha ida às suas casas era sempre uma comemoração. Recebiam-me com bolo, café, fotografias, velhos diários, receitas e muita vontade de conversar. Quantas vezes, entrevista encerrada e passado algum tempo, procuravam-me para entregar anotações com detalhes, que na hora lhes fugiram, e que julgavam importantes: o nome esquecido de uma vizinha, uma data que viera à lembrança depois do fato relatado, um causo que deixaram escapar, uma foto que encontraram em seus guardados!  Raramente eu saí de suas casas de mãos vazias. Trouxe comigo e guardei com todo o cuidado os presentes que recebi: jornais da época, revistas, documentos, recortes de notícias, que hoje torno públicas através deste livro.
A narrativa oral é muito diferente da escrita.
A escrita permite-nos idas e vindas, acertos, ajustes, intervenções póstumas, pesquisas. A narrativa não! O ato de narrar flui através do retorno a vivências, sentimentos, emoções. É a delicada revisão de etapas de nossa vida que já foram vencidas. No caso particular de meus entrevistados, todos septuagenários, o diálogo esbarrava também na dificuldade de trazer alguns fatos, de imediato, à memória. Tropeçava na voz trêmula, na vista frágil, no coração acelerado pelas recordações, pelas saudades dos que já se foram; pelas cicatrizes muitas vezes reabertas. Apoiava-se na necessidade de momentos de silêncio e, muitas vezes, na interrupção do relato, pelas lágrimas involuntárias derramadas: deles e minhas!  Muitas histórias não foram registradas. Eu as ouvi em confiança, como confidências. Essas eu guardei só para mim: privilégio de quem escuta!
E como iniciei este projeto?
A resposta é simples: foi por amor a essa cidade onde escolhi viver e que me ofereceu tantas oportunidades de me tornar quem hoje sou: uma pessoa realizada e feliz, com muita história, eu também, para contar!
Eu sabia sobre Jacareí, quando aqui cheguei, em 1965, apenas que era uma cidade muito antiga (fundada em 1652, elevada à vila em 1653) banhada por um imponente rio, o Paraíba . Uma vila que cresceu e se espalhou por um vale, entre duas majestosas cordilheiras: a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira. Um arraial que, no passado, foi rota de bandeirantes e terra de muitos barões do café, mas o que mais? O que mais?
 Meus filhos começaram a estudar e a trazer como tarefa pedidos de pesquisas sobre a fundação da cidade, sobre as origens de seu nome, seus primeiros habitantes. Confesso que não sabia por onde começar a busca para auxiliá-los e, consequentemente, compreender, eu também, este lugar.
Não havia livros sobre a história de Jacareí. Não existia o computador. As informações eram muito vagas e genéricas. Assim, fui me aproximando, aos poucos, de pessoas que poderiam me dar alguma orientação. Era o início da década de setenta.
A Prefeitura, à época, promovia concursos literários, festivais de música, saraus de poesia, mostras de arte, cursos de Folclore: um território propício para minhas investidas culturais e conquista de novos amigos. Inscrevi-me e fui premiada no concurso literário que tinha como tema A cidade e o rio. Conheci então, poetas e jornalistas.  Minha crônica, Cidade Cidade Ci  foi publicada no jornal O Combate. Antoninho Lorena, redator chefe, gostou tanto que me convidou para ser cronista. Aceitei e não parei mais de escrever!
Matriculei-me no curso sobre o Folclore do Vale do Paraíba, ministrado pelo querido Francisco Pereira da Silva, carinhosamente chamado por todos de Chico Triste. Encantei-me com ele e com os causos e lendas da região. Conheci, então, dona Ruth Guimarães, e, com eles, descobri um novo Vale do Paraíba.
Comecei a frequentar a única livraria que há pouco fora inaugurada: Livraria Progresso. Eu e Eunice Ricco da Costa, sua proprietária, atriz, poeta, pintora, mulher muito à frente de seu tempo, tornamo-nos amigas para o resto da vida. Eunice foi convidada, por Antonio Nunes de Moraes, a ocupar o cargo de diretora do Departamento de Cultura Artística da Prefeitura e me levou para integrar o Conselho recém-formado. E assim passei a pertencer a um grupo de pessoas muito interessantes, imbuídas do propósito de valorizar e divulgar a cultura em todos os seus segmentos e que falavam de uma Jacareí fantástica, que existiu no passado. Entre elas estava o Sr. Odilon de Siqueira, ex-prefeito em duas gestões e que conhecia muito bem a história que eu buscava. Passei a frequentar sua residência onde ele foi me apresentando, aos poucos, a documentos, livros, anotações, fatos e fotos desta cidade conhecida como Athenas Paulista. Foi ele quem patrocinou o primeiro encontro realizado na casa do Sr. Jarbas Porto de Mattos, com a presença do Professor Décio Moreira, que resultou na gravação da primeira entrevista sobre a Memória Oral de Jacareí. Ela aconteceu no início de 1978, e foi publicada no jornal O Jacareiense, em 3 de abril do mesmo ano: um sucesso absoluto! Choveram cartas, bilhetes, ligações para o jornal pedindo outras matérias como aquela. Os moradores da cidade também queriam conhecer melhor a sua história. Entusiasmados com a repercussão inesperada, o Sr. Odilon fez uma lista de pessoas, de sua faixa etária, e a entregou para mim. Era muito importante eu conhecê-las, ouvi-las e divulgar, também, suas lembranças. Foi assim que tudo começou. Nos primeiros encontros, ele me acompanhou, depois, passei a fazer as visitas sozinha. Minhas reuniões com os antigos moradores de Jacareí prosseguiram por quase vinte anos. As entrevistas passaram a ser publicadas em edições de aniversário da cidade, pelo Diário de Jacareí, sempre com grande repercussão entre os leitores.
Hoje, neste volume, partilho com vocês as reminiscências desses homens e mulheres que aqui nasceram, viveram e morreram e que abrangem cinquenta anos da história de Jacareí. A eles, o meu profundo agradecimento, respeito e admiração.
São eles os verdadeiros autores desse livro.

                                                                     Ludmila Saharovsky

A importância da História Oral na preservação da memória


largo do Avareí

A História Oral é um procedimento muito usado em pesquisas históricas e sociológicas. Essa forma de pesquisa começou a ser utilizada nos anos 1950, após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e, desde então, difundiu-se bastante. Ganhou cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os que a praticam, dentre os quais destacamos: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos, pedagogos, psicólogos e teóricos da literatura.
No Brasil, a metodologia foi introduzida na década de 70, quando foi criado o Programa de História Oral do CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - Fundação Getúlio Vargas. A partir dos anos 90, o movimento em torno da história oral cresceu muito. No mundo inteiro, é intensa a publicação de livros, revistas especializadas e artigos sobre história oral. Há inúmeros programas e pesquisas que utilizam os relatos pessoais sobre o passado, para o estudo dos mais variados temas.
As entrevistas de história oral são tomadas como fontes para a compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo, pois o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas. Além disso, fazem parte de todo um conjunto de documentos de tipo biográfico, ao lado de memórias e autobiografias, que permitem compreender como indivíduos experimentaram e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um grupo ou da sociedade em geral. Isso torna o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por outros.
A memória em debate
O aprofundamento das discussões sobre as relações entre passado e presente na história, e o rompimento com a ideia que identificava objeto histórico e passado, como algo totalmente morto e incapaz de ser reinterpretado em função do presente, abriram novos caminhos para o estudo da história do século XX.
Segundo Patrick Hutton (1993), o interesse dos historiadores pela memória foi em grande medida inspirado pela historiografia francesa, sobretudo a história das mentalidades coletivas que emergiu na década de 60. Nesses estudos, que focalizavam principalmente a cultura popular, a vida familiar, os hábitos locais, a religiosidade etc., a questão da memória coletiva já estava implícita, embora não fosse abordada diretamente.
A valorização de uma história das representações, do imaginário social e da compreensão dos usos políticos do passado pelo presente promoveu uma reavaliação das relações entre história e memória e permitiu repensar as relações entre passado e presente e definir para a história do tempo presente o estudo dos usos do passado.
A força das tradições
A coleta de depoimentos, mediante a utilização de um gravador, iniciou-se na década de 40 com o jornalista Allan Nevins, que desenvolveu um programa de entrevistas voltado para a recuperação de informações acerca da atuação dos grupos dominantes norte-americanos. Esse programa veio a constituir o Columbia Oral History Office, organismo que serviu de modelo para outros centros criados nos anos 50, em bibliotecas e arquivos no Texas, Berkeley e Los Angeles. Esse primeiro ciclo de expansão do que se chamou de história oral privilegiou o estudo das elites e se atribuiu a tarefa de preencher as lacunas do registro escrito, por meio da formação de arquivos com fitas transcritas.
A plena expansão desse processo, que constituiu um verdadeiro boom, teve lugar apenas na segunda metade dos anos 60, prolongando-se pela década de 1970, especialmente nos EUA. As lutas pelos direitos civis, travadas pelas minorias de negros, mulheres, imigrantes, entre outros, seriam agora as principais responsáveis pela afirmação da história oral, que procurava dar voz aos excluídos, recuperar as trajetórias dos grupos dominados, tirar do esquecimento o que a história oficial sufocara durante tanto tempo.
A história oral se afirmava, assim, como instrumento de construção de identidade de grupos e de transformação social — uma história oral militante que colocava em evidência a construção dos atores de sua própria identidade e reequacionava as relações entre passado e presente, ao reconhecer claramente que o passado é construído segundo as necessidades do presente.
Sempre preocupada e atenta com sua história e a história dos povos, Ludmila Saharovsky pesquisou, estudou e registrou a memória oral de Jacareí desde os anos 1970 - início da pesquisa em história oral no Brasil. Suas entrevistas aconteceram de 1978 a 2000. Vinte e dois anos de encontros e bate-papos com moradores mais antigos e representativos da nossa comunidade.  O método usado foi o de gravador de fita cassete e transcrição do texto em estado bruto/escrita. Foram registradas cerca de 2 horas de entrevista com cada um dos cerca de trinta entrevistados, somando-se, aproximadamente, 60 horas de gravações.
Este livro é o resultado desses registros: um estudo sobre a memória de pessoas que aqui viveram, pensaram, sonharam e trabalharam por seus contemporâneos e por nós. Sua memória pessoal é também uma memória social, familiar e grupal. Suas lembranças são a nossa herança e nosso bem comum e colaboram para que todos possamos entender melhor a cidade que construímos.
                                                                            Beatriz Borrego

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016


Nota de esclarecimento


Caros:
Reproduzo aqui a mensagem que recebi de meu querido amigo Luiz José Navarro da Cruz, com o intuito de me desculpar por não tê-lo incluído nas Referências fotográficas de meu livro Jacareí Tempo e Memória. Foi uma falha involuntária imperdoável, pela qual já lhe pedi desculpas, e peço novamente nesta publicação. Realmente, Luiz José é citado por mim em inúmeras referências a artigos que publicou no Jornal Semanário e que muito utilizei para corroborar minhas entrevistas. Infelizmente, a fita com o depoimento de seu pai, Hélio Navarro da Cruz, prefeito de Jacareí no período de1934/1937 foi uma das que se perderam no longo percurso que separou as entrevistas da publicação do livro. Eu me recordo que estive com ele, na companhia de Odilon de Siqueira, em sua casa, repleta de antigos jornais (pilhas e pilhas) documentos, fotografias e gravei uma belíssima entrevista embasada em suas memórias de cidadão e ex prefeito, que deixei no nosso Museu de Antropologia junto a outras fitas. Quando comecei a organizar o material para o livro, me dei conta de que a entrevista do Sr. Hélio não fora transcrita, e, quando fui procurá-la no Museu, nenhuma fita fora encontrada, devido às inúmeras mudanças, reformas e problemas estruturais pelas quais o museu passou. Uma perda que não teve como ser sanada. Infelizmente!
No meu livro, nas páginas 122 e 123 respectivamente, eu publico:

"Neste mesmo ano de 1978, em 2 de abril, foi inaugurada, com imenso sucesso,  
na Sede da Associação Comercial de Jacareí, uma belíssima exposição de 
fotografias antigas. O presidente da ACJ, na época, era José Luiz Navarro da 
Cruz. Cerca de 300 fotos, emolduradas, todas impressas em tamanho 
padronizado e na cor sépia, com legendas informativas, documentavam a vida 
da cidade, desde os fins do século XIX até meados do sec. XX. Esse  
importante trabalho de coleta e pesquisas foi realizado por Luiz José e José 
Carlos Martins. Lembro-me de que, por várias semanas, o prédio da 
Associação Comercial ficou tomado por uma multidão de moradores, de todas 
as idades. Os mais antigos traziam os jovens para mostrar-lhes o lugar que viram crescer, as ruas nas quais brincaram, o rio onde nadaram, as pessoas 
com quem conviveram.. Foi impressionante participar desse momento, 
observar a emoção nos rostos das pessoas, as memória aflorando ao recordar 
nomes de amigos, vizinhos, parentes, colegas de escola, apontados nas 
imagens; antigos nomes das ruas, a lembrança dos prédios, praças, festas, 
desfiles, procissões, enfim, lembranças de um tempo que passou deixando 
marcas indeléveis no coração de todos. Transcrevo, a seguir, um pequeno  
trecho da entrevista de Luiz José, publicada no jornal “O Jacareiense” na 
edição de 3 de abril de 1978, pág. 4,  acerca da memória visual da cidade, por 
ele coletada.
“A ideia surgiu quando Aureliano Sales de Oliveira nos procurou, a mim e ao 
José Carlos Martins, pedindo-nos para fazermos um trabalho sobre a história 
do comércio de Jacareí, para publicação no jornal O Jacareiense” Como a 
Associação possuía poucos dados sobre o comércio, achamos que seria 
interessante fazer um trabalho sobre as perspectivas históricas. Isso foi uma 
conversa entre eu e o José Carlos. Uma noite, reunimo-nos na Casa Roberto 
Martins para decidirmos o que poderíamos fazer, e chegamos à conclusão que 
o melhor seria um trabalho sobre o prisma histórico.
Então comecei a conversar com comerciantes antigos, e começaram a 
aparecer dados, historias, não só do comércio de Jacareí, e começaram a 
aparecer fotografias. E o que mais motiva é a fotografia. Nossa ideia, então. foi 
a de criarmos um Arquivo histórico-fotográfico da cidade . Resolvemos então 
fazer um trabalho que abrangesse tudo: a vida social, a vida esportiva, os 
grandes acontecimentos que deixaram sua marca na historia de Jacareí, enfim, 
mostrando os costumes de várias épocas passadas, desde quando se pudesse 
coletar fotografias, isto é, desde o século passado. Essas fotografias serão 
apresentadas em um formato único de 18x24, todas em sépia, para dar ideia 
de antiguidade, colocadas num cartão reproduzindo um cartão fotográfico do 
princípio do séc. XIX em bico de pena, e, em baixo de cada foto, em cada 
cartão será colado outro cartão com a identificação de ano, local, pessoas.
Quem mais colaborou neste projeto foram os Srs. Odilon de Siqueira, Lauro 
Martins, Paulo Martins, Edsel Capucci, José Carlos Cruz, Jayme Bueno, o 
prefeito Sérgio Lencioni e Aníbal Paiva Ferreira, dentre muitos.”.. (pgs 122/123)

Agora, a carta de Luiz José

9 DE JANEIRO DE 2016 18:17 Ludmila :- senti muito não ter podido falar pelo meu pai, como já te expliquei, por ter ficado fora do ar ( por questões médicas ). Agora, ao ler mais algumas coisas do seu livro, fiquei mais admirador de seu talento, tendo em vista sua capacidade de pesquisa e síntese, reunindo muito material de máxima importância para a história de Jacareí. Entretanto, por uma questão de justiça, não posso deixar de fazer um reparo quanto às fotos que estão contidas na sua publicação. Assim, eu primeiro recordo que foi você a primeira pessoa que lembrou-se de meu arquivo histórico e fotográfico, quando me pediu emprestada uma parte deste acervo para uma palestra na Faculdade de Lorena, por volta de 1980. Desta forma, quero dizer de novo, que em 1977, ao ver uma coletânea de fotos antigas de Jacareí, contidas num trabalho de uma aluna da Escola Normal desta cidade, elaborado em 1944, fiquei decidido a fazer um amplo trabalho de campo, para coletar todo o material que conseguisse, em termos de originais fotográficos, junto a famílias tradicionais da cidade. Tive sucesso por conhecer muita gente e mais a ajuda de meu pai, para, assim, merecer a confiança de ficar por algum tempo na posse deste material a mim emprestado, para ser reproduzido fotograficamente. Ainda, muito trabalho houve para se pesquisar os históricos de cada foto. Foi uma luta de quase um ano. Importante ;_ com finalidades culturais e sem fins lucrativos. Isto posto, devo ressaltar que o Mir Cambuzano, colaborou com seu trabalho de ótima qualidade, mas remunerado. Muito justo, porque estava atuando profissionalmente. E tendo ficado com os negativos, autorizado por mim, fez reproduções para venda e, mais tarde, entregou o material ao Arquivo Público. Mas, a iniciativa foi minha e só assim se pode formar uma acervo tão grande da memória da cidade, em fotografias. Espero não tê-la, importunado, porém eu tinha que me ressentir em não ter sido mencionado na sua magnífica obra, no quesito fotografias !!!

Creio que o esclarecimento está prestado. (Ludmila)