sexta-feira, 29 de agosto de 2014


Receitas Regionais



Peixe azul marinho (prato típico caiçara)

Este é um dos pratos mais tradicionais da cultura caiçara. O nome vem da cor azulada que ele ganha a partir do cozimento da banana verde com o peixe. Nesse processo, o tanino - substância que é responsável por aquela sensação  de “amarrar a boca”, que sentimos quando mordemos frutos verdes - desprende-se da banana e libera a cor ao preparado. O peixe e a banana são ingredientes muito frequentes na cozinha caiçara, porque é muito fácil encontrá-los nas regiões litorâneas. Este é o prato típico do litoral norte de São Paulo (Bertioga, São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba), mas pode ser encontrado em regiões litorâneas de várias partes do Brasil. A receita pode variar de região para região.
Ingredientes:
1 kg de peixe (garoupa, cação ou cavala) / 1 xícara de chá de óleo/ 2 cebolas grandes picadas/ 6 tomates picados, sem pele nem sementes / 4 dentes de alho amassados / 1 xícara de chá de folha de alfavaca picadas / 1 maço de cheiro-verde picado / sal e pimenta-do-reino a gosto / 8 bananas-nanicas ainda verdes e 1 1/2 xícara de chá de farinha de mandioca

Modo de preparo:
Limpe os peixes (reserve as cabeças) e corte-os em postas. Aqueça o óleo numa panela grande e acrescente e a cebola, o tomate e o alho e refogue até dourar ligeiramente. Adicione as postas de peixe à panela, juntamente com as cabeças reservadas. Cubra com água, acrescente a alfavaca e o cheiro-verde e tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Tampe e deixe cozinhar por 30 min. Não mexa durante o cozimento, para desfazer o peixe. Descasque as bananas e cozinhe-as numa panela com água, até que fiquem quase moles.
Passado o tempo indicado, passe o peixe para uma travessa aquecida (sempre tomando cuidado para não desfazer as postas), regue com uma concha do molho do cozimento e reserve em local aquecido. Escorra as bananas e amasse-as com um garfo. Coe todo o molho restante do cozimento do peixe e adicione o purê de banana, misturando bem. Acrescente a farinha de mandioca, misture bem e cozinhe por alguns minutos, até obter um pirão leve. Para servir, coloque o pirão no centro de uma travessa e contorne com as postas de peixe. Sirva bem quente.

Furrundum ou furrundu



Doce típico da culinária caipira do Vale do Paraíba. Em geral, é feito com cidra e mamão ralado, gengibre e rapadura. Presentes nas mesas desde os tempos coloniais, os diversos doces e compotas - apesar de necessitarem, muitas vezes, de horas de preparo - continuam sendo muito apreciados até mesmo nos centros urbanos.
Ingredientes:
3 mamões médios verdes, descascados e ralados / 2 rapaduras de cana-de-açúcar picadas / 2 xícaras (chá) de açúcar / 1 xícara (chá) de coco ralado / 2 colheres (chá) de gengibre / 300 ml de água /1 colher (chá) de cravo-da-índia inteiros
Modo de preparo

Aqueça uma panela de fundo grosso. Adicione os mamões, a rapadura, o açúcar, o coco e o gengibre. Misture até derreter o açúcar e ficar brilhante. Adicione a água, o cravo e continue a cozinhar em fogo alto, mexendo sempre até ferver e levantar o caldo. Abaixe o fogo, tampe a panela e cozinhe por mais 15 minutos. Retire a espuma que formar na superfície. Deixe esfriar e sirva acompanhado de queijo branco.

Jacuba, o refresco dos tropeiros:
Misturar água fria, farinha de mandioca ou milho e adoçar com rapadura ou mel.


Refresco de Capim – Santo



2 xícaras de água, 1 maço de capim-santo, açúcar e limão a gosto

Bater com um martelo de cozinha o maço de capim – santo até retalhar as fibras. Colocar a água no liquidificador e juntar a erva amassada. Bater por 2 minutos. Coar numa peneira fina. Adoçar a gosto e ao servir pingar algumas gotas de limão.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014


Memórias do Sr Paulo Vicente da Silva (final)

Mapa das lendas brasileiras
Entrevistar o Sr. Paulo Vicente da Silva foi como ter uma fantástica aula de folclore com o melhor dos professores, pois o Sr. Paulo o vivenciava em seu dia-a-dia.  Seus causos, ricos em detalhes, suas receitas de família, sua devoção deixaram em mim a certeza de que a cultura popular é uma fonte inesgotável de saber dessa nossa gente valeparaibana: nosso maior patrimônio! Meu desejo e a minha esperança é que os jovens prossigam pesquisando e documentando o folclore de nossa região, para manter sempre viva esta preciosa memória. E agora, transcrevo para vocês a última parte desse rico depoimento. (Ludmila)


ervas medicinais (imagem Internet)
 Poço de Ouro? Conheço sim, senhora, e até posso levá qualqué um que quisé ve lá. Os poço de ouro surgiro no tempo em que havia os escravo. Era um tempo de judiação. Então os fazendero fazia os escravo carregá aquele baita malão de dinheiro no lombo até chega no lugar escolhido. Daí eles obrigava o negro cavá um poço bem fundo e enterrava o malão nele. Aí, pros escravos não conta onde era, eles matava os coitado e enterrava junto, no mesmo luga do dinheiro. Então, essa riqueza é uma coisa muito difícil de tirá, porque esses lugar são tudo  amaldiçoado. A alma do escravo tá lá, tomando conta daquilo.
Um dia, uns conhecido meu, viero me busca pra nóis cavocá e eu fui. Quando deu meia noite e meia, uma hora, começô uma ventania tão grande, mai tão grande, que nóis perdemo todo o serviço. E se a senhora quisé, eu trago aqui gente que foi comigo, que pode prova que isso é verdade verdadeira! Eu sei de gente que já conseguiu tira dinheiro de dentro do buraco assim, num luga longe daqui, mas perdero tudo.
Olho gordo? Claro que eu acredito! Tem gente que tem inveja, que tem orgulho dos otro, então atrapalha. Eu sempre falo pros meus fio: ocês façam a caridade, que ocês ganha a salvação. Se não pude faze o bem, não façam o mal pra ninguém.

Medicina Popular: Preparando infusões (Imagem Internet)
Médico, farmácia! Ah... é difíci eu i na farmácia. Só vou lá quando Deus permite. Eu trato meus fio, tudo cos remédio que eu mesmo preparo aqui em casa. Eu curo os que precisam, com os meus remédio e com oração.
Eu tenho reza pra cachorro brabo, pra vaca braba. Eu corto caxumba, dor de dente. Eu faço oração pra mulher que fica num inferno pra ter nenê com o parto amarrado. Então eu desato tudo isso.
Receita de remédio?
Dou pra senhora, a qual a senhora quisé. Agora tem quatro tipo de doença: uma que os remédio resolve, outra que só se cura com simpatia, outra que precisa de uma benzeção e tem alguma ainda que um bom susto também resolve.

Mdicina Popular: Benzedeiras (imagem Internet)
Toma nota aí: pra curá bichas desconfiada: fervê um bucado de erva Santa Maria e mistura com leite de peito de 3 mulé de nome Maria. Dá uma colheradinha pras criança de hora em hora.
Pra mordida de vespa: fazê um cataplasma com barro de beira de valeta. Se não tivé, botá em cima da picada, fumo de rolo mascado.
Pra lumbriga: chá de hortelã preta com chifre de boi queimado e um pouco de pacová macetado. Fais e dá pra criança bebê.
Pra curá pulmão: cozinhá  um pouco de agrião com açúcar até virar melado. Se tomá aos pouco, fecha o pulmão.
Pra sarna: tomá salsa panda e lavá o corpo com sabão de cinza.
Pra secá ferida de sarampo: passá  as semente de urucú maduro nas ferida do sarampo, que seca.
Qué mais? Se a senhora tivé tempo a gente fica por aqui mais de um dia entero e as receita num acába ...”

quinta-feira, 14 de agosto de 2014


Visita Virtual ao Museu do Folclore

http://youtu.be/eXNPBjklK_U

Poucos de nós conhecemos o belíssimo acervo do Museu do Folclore do Vale do Paraiba, localizado no Parque da Cidade, em São José dos Campos. Aqui, uma pequena mostra virtual de nossa cultura popular. Aproveitem o mês do Folclore e façam uma visita. Vão se surpreender!

Chuva de Anjos

http://youtu.be/MY7tGc0aGgc


Vídeo mostra o trabalho e depoimentos de diferentes figureiros(as) do Vale do Paraíba; e faz parte da exposição permanente do Museu do Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), que está localizado no Parque da Cidade, região norte de São José dos Campos, sob administração do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).



Memórias do Sr. Paulo Vicente da Silva (segunda parte)


Corpo Seco, lenda valeparaibana
Eu acredito em alma do outro mundo, porque eu já vi. Eu já fui
assombrado, aqui nessa estrada do Campo Grande. Eu fui guardá um corpo
porque eu sei muita reza pra isso, num lugar meio longe de casa. Então eu andava e apareceu um gemido que me acompanhava. E eu ia pela estrada, e o gemido pelo valo. A senhora sabe o que é valo? É uma divisa de terra que era feita antigamente. E eu rezano... e tudo que eu rezava, respondia lá na vala: “Ai, isso eu também sei”. E eu rezano e veno a casa do defunto, e parecia que quanto mais eu andava, mais eu não saía daquele lugar. Então, depois que eu rezei tudo mesmo que eu sabia, eu me lembrei da reza “25 de março”. Foi o que me salvo, com a graça de Deus. Essa oração 25 de março é muita antiga e a gente só pode usa ela num momento de muita precisão. Dai, quando eu terminei, me empurraro pelas costa, e foi ai que eu consegui chega. Essa reza, que a gente não pode fala a toa, eu aprendi com meu pai, e ele com meu avô. Ela, e muitas outras coisa, eu já estou passando pra uma filha minha que me acompanha sempre, em tudo quanto é festa. Eu tenho certeza que in antes deu morre, eu vou passa tudo que eu sei pra minha familha.
Contador de causo? Eu conheço uns 50 elemento que contam causo muito bem. Eu mesmo tenho muitos causo vivido comigo mesmo, que hoje, se for conta, o pessoal pensa que é mentira da gente, que a gente esta inventando  bobageira, mas é tudo verdadeiro.
Alguma coisa interessante sobre a antiga Jacareí? Ah, eu sei muita coisa. Sei da Santa que jogaram no rio, sei da história do poço do ouro, que é do tempo dos escravo, sei daquela rua que se chamava Cassununga, sabe por quê? Era uma rua que só tinha gente preto que morava ali. Não tinha outra descendência. E ali nóis cantava a folia e tinha leilão, catira, cateretê e a gente fazia paçoca e bolão de fubá. Hoje a rua se chama Salvador Preto.

Ilustração da lenda sobre Nossa Senhora Aparecida, feita por Mestre Justino
A imagem de Nossa Senhora Aparecida? É claro que eu tenho certeza que ela era de Jacareí. Certeza absoluta. Foi quando o Paraíba passava por perto da Igreja da Matriz. Então apareceu um bichão que, conforme meus antepassado assistirum, e minha mãe disse que era pra eu guardá bem a história, que ia
tê um dia que as pessoa ia quere sabe de mim e eu poderia responde a verdade. Então, o bicho foi cavando a terra, e o Paraíba se achegano pra perto da igreja, e a cidade desbarrancano com as casa e tudo. Ai, o padre jogo a image no rio. Jogo como hoje, quando foi amanhã, cesso tudo,como num milagre, e até hoje. Ai, a santa foi rodano, rodano pelo rio até que os pescado pegaro e pescaro ela. E é essa imagem que tá em Aparecida até hoje. E, nos vidro de nossa igreja tem essa história. Pode ir lá ve.

A lavação de santo eu conheço muito. É pra faze chove. Isso nóis fazia muito nos bairro. Fazia e fazemos, e chove mesmo!
É assim: a gente pega a imagem de S. Benedito, e pega uma menina que não pode passa dos seis ano. Tem que se um anjo ainda. Daí a gente manda a menina lavá o santo, e ela vai lavando no riacho ou na bica do rio, enquanto a gente faz as reza, pedindo pra chove. Daí leva a imagem de volta pra igreja,
e in ante dos três dia, pode espera que chove. A gente vai rezano o terço, acompanhano o santo na caminhada e chove. Eu mesmo já vi chover.

Festa da Carpição em Jacareí, foto Internet do blog de Chicoabelhas

Agora, eu vou contá pra senhora um causo acontecido comigo, ali, no fim da Rua do Cassununga. Eu fui numa festa da carpição, no bairro do Pedregulho, que termino de madrugada. Aí eu desapartei da minha companheirada e vim caminhando c'o a minha viola. E eu fui entrano no Cassununga, que tinha poucas casa, quando vi um vulto cavucano um baita buracão. Aí eu pensei que era um assaltante, mas, quando cheguei mais perto, vi que era uma muié que tava ali tapando um buraco. E eu perguntei pra ela: “Mas dona, o que tá enterrando aí? É cachorro? E ela Ah, é cachorro sim, morreu um cachorrinho meu, e eu tô enterrando ele bem aqui. Mas daí, como a justiça divina é tão grande, eu vi a terra se mexê. Eu olhava, e a terra ia se mexeno e a dona com aquele buta vestidão comprido, queria tampá a terra, mas não conseguia.
Nisso, saiu uma mão pra fora. Saltô uma mão pra fora, e a dona saiu correndo, e eu peguei na mão e puxei.
Sabe o que tava lá? Era uma criança de uns quatro ano, que já tava ficando preto. E o buracão que a muié tinha feito era tão grande, que precisava vê!
Daí, perto tinha um corgo sujo que passava, e foi onde eu lavei a criança e ela voltou. Então eu corri com a criança até a segunda casa, onde morava um senhor de nome Benedito Eloi, um barbeiro, que me vendo disse:
“Mas você aí, nessa escuridão, com a viola, tudo sujo de barro e com essa criança nos braço.., ocê tá bêbado?”
“Eu não! respondi.” “Ô seu Eloi, ocê sabe que eu num bebo!”
“Então, o que é que há?”
“É eu que tirei essa criança que a mulé tava enterrano viva!”
Aí ele num acredito e nói vortemo lá pra vê, ele viu mesmo que era pura verdade. A mãe da criança era solteira, e vivia no cargo de um senhor que largo ela e foi-se embora; e eu, peguei e levei a criança pra mim. Daí, no outro dia, ela foi até minha casa pra pegá essa criança, e me pediu pra não dá parte dela.
Eu falei que não ia mesmo dá parte, porque a criança graças a Deus tava viva, mas que eu não ia entrega pra ela não, porque ela não era humana, era um monstro!
Então nóis peguemo aquela discussão, e o povo foi se achegando, foi quando eu fui obrigado a da parte dela pra otoridade. A polícia me deu muita cobertura, e eu fiquei com esse menino, que levei pra minha mãe cria, porque eu inda era soltero. Mas essa criança só foi até os 15 ano. Num viveu mai.
O nome da mulé era Maria das Dores, e ela foi-se embora de Jacareí.

http://youtu.be/Tgh1Z8qYtPs

segunda-feira, 11 de agosto de 2014


Memorias do Sr. Paulo Vicente da Silva




O Sr. Paulo Vicente, é um portador vivo do folclore que temos entre nós.
Simples, religioso, sincero e muito agradável de entrevistar.
Este depoimento é de um homem essencialmente brasileiro - no linguajar, na hospitalidade, na crença profunda, na tradição, trazendo em si todas as características do homem do povo - tremendamente sensível e inteligente, em sua pureza. A entrevista foi gravada em agosto de 1978. N. do A.

Bandeira do Divino
Ói, eu vô contá pra senhora que esse grupo, Irmãos do Divino de Jacareí, foi formado por meu avô e ficô sob as ordem dele uns 70 ano, ai ficô pro meu pai, e hoje é como uma relíquia que trago comigo, porque, desde que meu pai morreu, em 1931, que eu fiquei tocano o grupo. Eu tinha 12 ano de idade quando entrei.
Acho que a festa do Divino Espírito Santo é a maior festa religiosa que tem no mundo. Nóis não dança nela como representação, mas sim por devoção ao Divino.
Hoje eu estou com 18 elemento na Irmandade do Divino. O mais importante deles, e o principal, é um tio meu, Belmiro Leite, que está com 82 ano. Ele vem com o grupo desde o tempo de meu pai e, enquanto for vivo, não saí da irmandade.
A folia do Divino Espírito Santo  é a dança mais antiga do mundo. Ela foi gerada há muito tempo atrás e, em Jacareí, ela foi formada na Igreja de São Benedito, no antigo bairro do Pau Grande, que hoje é conhecido como bairro da Cachoeirinha, pelo meu avô. Meu avô já era folião, mais cinco tio meu e
uma tia cantavam a folia. Então o povo do bairro era tudo parente, cumpadre, sobrinho, tudo irmandade, e assim formaro o primeiro grupo. Não sei a data em que ele começou, mas em 1888 a lgreja já estava lá. Quando eu digo que era no bairro do Pau Grande, o pessoal caçoa de mim, mas o nome era esse mesmo. Lá eu estudei num grupo escolar, com a professora de nome D. Lurde, cujo cabeçaio era: Escola Rural Municipal do Bairro Pau Grande! Daí acharo que o nome devia ser mudado prá bairro de Cachoeirinha, e mudaro, como ele é conhecido até hoje.

Fitas da Bandeira do Divino
Eu sempre recebo convite pra apresenta as danças do Grupo em festas religiosa, em cerimônias de casamento. Eu sou muito bem recebido em tudo que é igreja. Os padre sempre me trataro muito bem, me dão muito apoio e me chama até pra cantá dentro da Igreja, durante a comunhão na hora da missa. Eu me dô muito bem com todos os padre que conheço.
Eu apresento com meu grupo, a folia do Divino. Ai a gente dança a tontinha, a cana verde, o jongo, a congada. Eu faço e já apresentei em muitos lugar a embolada, que é uma cantiga de improviso. Eu tenho alguns verso já feito, mas o mais eu canto na hora. O desafiante canta pra mim um verso, daí eu pego a ultima palavra e toco pra frente. Eu acho fácil fazer embolada.
Música feita por mim, eu tenho umas 80. Os outro grupo também canta minhas composição, mas canta com a minha licença. A gente se reúne lá no Cassununga, num quartinho de um sobrinho meu, onde nóis fazemo dois ensaio por semana.

Grupo de dança de Jongo em Jacareí (foto Internet)
Até hoje, graças a Deus, eu só tenho recebido muito abraço, até de doutô, e os parabéns depois de todas as festa. Quarque pessoa que quisé, pode entrá pro nosso grupo, mas desde que seja religiosa. Se não for religiosa, eu num aceito. A gente tem quer ter fé. Até o dia de hoje eu não recebi nenhum tostão por nenhuma apresentação, que eu tenha cobrado. Um meis atrais recebi umas roupa, que me dero pro grupo, lá em São Jose dos Campo. Eu não cobro nada, porque eu trago isso como uma tradição. Quando eu vou a uma festa, eu vou alegre, eu faço aquela festa dado. Se as pessoa gostá e me dé uns trocado eu
aceito, se não, pra mim é a mesma coisa. Eu faço isso por  devoção e por amor, sem pensá no dinheiro. Agora, já aqui em Jacareí eles sempre me dão condução, me dero também um jogo de faixa.

O Chiquito Carteiro era meu tio. Ele morreu nos meus braço. Ele tocou violino 65 anos. Hoje é que chamão de violino, mas o nome verdadeiro é rabeca. Então, o Chiquito, o nome dele completo era Francisco Leite da Silva, ele pegou 52 menina pra criá. Hoje são tudo moça, tudo casada. Meu tio era um home muito caridoso. Como ele não pode ter família, ele foi pegano essas criança, e só pegava se fosse de papel passado. Ele não pegou elas tudo de uma vez. Pegava uma, criava, pegava outra, e assim de uma em uma ele inteirou 52 crianças.
Ele tinha uma vila de seis casa e essa vila ainda existe nos dia de hoje. É minha tia, com 83 anos, que toma conta. Ela fica na Rua Antunes da Costa nº 55.

Aliás, aconteceu um caso muito interessante comigo e esse meu tio. Nós tivemo junto numa festa, cantamo uma folia, quando o festeiro pediu pra ele que cantasse uma moda de viola. Foi quando uma moça apareceu, pegô ele e abraço com tanta força que quebrou inté a viola. Ele ficou tão sem graça diante daquele povo que se alvoroçou, que queria ate ir-se embora, mas o pessoar não deixo. O dono da casa chego e disse que não era pra se acanhá não, que a moça fez aquilo porque ficou muito emocionada com os verso que ele canto. Pois então, essa moça foi aparecida naquela festa, e ate hoje não sabemo por que foi aquilo, e ela de madrugada já desapareceu. Então surgiu na festa, que ela era morta. Que ela existia já no bairro,que o pessoar via ela de noite, fora de hora, e ouvia rebuliço. Eu sei é que até hoje ninguém nunca mais viu ela. Ela era assombrada. Alma do outro mundo. (continua)

quarta-feira, 25 de junho de 2014


Memórias do Dr. Ramon Ortiz (final)

Interior da Igreja Matriz de Jacareí

Pintura de Nossa Senhora da Conceição na abóboda da matriz de Jacareí
O que tenho a dizer sobre a lenda de Nossa Senhora Aparecida?
Bem, ela é conhecida por todos e hoje se perpetua num vitral que está na Matriz.
A origem deste vitral foi a seguinte. Eu observei que, entre o povo, se falava que a imagem de Nossa Senhora Aparecida saiu de Jacareí, pelas seguintes razões:
Jacareí era a única cidade que estava a montante de Aparecida pelo Rio Paraíba.
Era a única cidade cuja padroeira é a Nossa Senhora da Conceição, imagem que está depositada no altar da Matriz.
E havia a tradição que falava que alguém jogou a imagem da padroeira no Paraíba porque havia um monstro que devorava os animais e até as crianças, e que se escondia no rio.
Então, naquela devoção ingênua, simples, do povo, acharam que jogando uma imagem nas águas poderiam acabar com o problema. Esta era a fé do povo daquele tempo. E isso foi feito. O fato circulava como notícia entre os antigos de Jacareí. Assim, certo dia, lendo o jornal “O Estado de São Paulo”, qual não foi minha surpresa ao encontrar nele uma crônica escrita a esse respeito. A partir daí, me veio a ideia de deixar o fato perpetuado de alguma forma. Tomei a crônica, fui a Casa Conrado, em S. Paulo, que é a maior casa de vitrais ainda hoje e pedi para falar com o desenhista. Veio atender-me um moço inteligente, muito vivaz, ao qual mostrei a crônica, pedindo que a reproduzisse num vitral e ele fez este que está na Matriz, guardando uma tradição antiguíssima, que, encontrou tanta base, que o próprio “Estado de S. Paulo” publicou.

Vitrais da Igreja da Matriz
um dos vitrais da nossa Igreja Matriz, confeccionado a pedido do Padre Ramon Ortiz.
 ilustrando a lenda da aparição de N.S. Aparecida. Foto cedida por Rosalina Ramalho
Agora, que a imagem de Nossa Senhora Aparecida é a imagem de Nossa Senhora da Conceição não existe nenhuma dúvida, porque o distintivo da imagem de Nossa Senhora da Conceição é o que tem embaixo a Lua e os Anjos, reproduzindo um trecho do Apocalipse que diz: “e apareceu no céu uma mulher vestida de Sol, enfeitada de Estrelas, tendo nos pés a Lua e as Nuvens”. E, é isso que a imagem reproduz. A imagem, porém, e disso não podemos nos esquecer nunca, é apenas um objeto material. O que se quer, pela imagem, é ter-se a ideia do que ela representa. E aquela figura representa a Virgem Maria. Então, na época, essa figura foi encontrada em circunstâncias bem estranhas. Duas redadas. Numa, veio a cabeça, noutra, o corpo. Não havia pesca alguma e, em seguida, a pesca foi tão abundante que nem puderam carregar para terra todos os peixes. Assim, o povo passou a venerar aquela imagem, que foi um objeto, pelo qual a devoção a Nossa Senhora se incentivou, se incendiou, se animou e se divulgou e isto realmente é de grande importância.
Imagem original de Nossa Senhora Aparecida, sem o manto


Raro Mapa das Vilas de  Taubaté e Pindamonhangaba onde aparece o croqui da primitiva igreja de N.S. Aparecida
A validade histórica de lenda existe. Ela consta dos livros de ata de Guaratinguetá. Em 1717, quando passava pela região o Conde de Assumar, que era o encarregado do Governo das Minas, e que ia a Vila Rica, passando por Guaratinguetá, quiseram oferecer-lhe um banquete. A época era de quaresma e o banquete, segundo a tradição, deveria ser de peixes. Assim, foram pescar e deu-se o fato, que está transcrito com data, nome dos pescadores, convidados e comitiva do Conde.
 Padre Ramon, por ocasião de minha pesquisa sobre a lenda, aconteceram alguns desencontros quanto às datas. Alguns de meus entrevistados entenderam como milagre atribuído a Santa, o desvio das águas do Paraíba pela família Leitão. Acontece que o referido desvio é bem posterior (quase um século depois) ao encontro nas águas da imagem de Aparecida. O senhor poderia nos esclarecer a respeito? pergunto.
De fato, o desvio aconteceu e foi muito posterior.

Ilustração para a lenda feita em nanquim por Mestre Justino, de Taubaté
Quanto à tradição ouvida, e lida nas páginas do jornal, era que existia em nosso rio um monstro, possivelmente até um jacaré — animal bastante feroz, que assustava a população ribeirinha. Então, na simplicidade da devoção daquela gente, jogaram uma imagem nas águas para que acabasse o perigo. A imagem foi pescada em Aparecida e este fato já é uma tradição, é um fato que persiste mais do que a lenda.

Igreja de Santa Cruz dos Lázaros
Padre, e quanto à Capela de Santa Cruz dos Lázaros?
Foi por volta do ano de 1900, que o Sr. José Pereira fundou a primitiva capela, cuja Cruz original ainda se encontra na edícula ao lado. Esta capela marcou uma época terrível, em que a lepra não tinha médico-hospitalar; assim, leprosos vindos de cidades vizinhas para esmolar  - os doentes eram
sempre mendigos e viviam da caridade pública - instalavam-se aqui, junto à Água Espraiada, donde originou-se o nome da capela: Santa Cruz dos Lázaros. Este era um lugar ermo, evitado e afastado da cidade, que possuía um Lazareto ali, detrás da Gates, hoje extinto. Atualmente, a Capela foi toda reformada, reforma esta custeada pelo Dr. Roland Chedid Abeyche, e nela existe, com regularidade, ofício religioso muito procurado pela devoção popular.
Como vivo, atualmente?
Bem, talvez possa parecer a muitos que eu durma de dia e descanse à noite, mas, não é bem assim, não!
Embora eu aproveite algumas horas de lazer, eu também tenho bastantes ocupações. Auxilio meus colegas na medida que vêm me procurar. Estou frequentemente ocupado, sempre tenho afazeres. O tempo que me resta, eu dedico a esta chácara, a terra, às plantas. Depois, eu leio e estudo sempre e muito. A mensagem que deixarei ao povo de Jacareí será referente à Aparecida, já que falamos muito a seu respeito. Essa mensagem, que seja então a seguinte:
Em vista de tudo o que ocorreu, de tudo que se passou, que o milagre da Virgem seja um fino estímulo para a maior devoção a Nossa Senhora, que nós evocamos sob o nome de Aparecida.
A segunda parte da mensagem será para que haja sempre gosto, interesse e verdadeiro amor pelas tradições, coisas, objetos e fatos de nossa história; e a terceira, e última parte, será para que haja sempre em nossa casa, uma visita tão simpática e agradável como a que tivemos hoje.”
Padre Ramon, nós é que temos muito a lhe agradecer pelo carinho e atenção com que fomos recebidos e tratados, pelo calor humano e sabedoria que nos transmitiu, e nos despedimos do senhor, com um pedido: lembre-se de nós em seus momentos de meditação e prece. Obrigada pela entrevista!


Memórias do Dr. Ramon Ortiz ( Parte II)

Debret, Largo do Avareí, Jacareí
Igreja do Avareí, antes da reforma

"Falemos agora do Avareí", eu peço. O Avareí, no meu modo de ver, é algo de mais expressivo que existe em Jacareí. Falta documento escrito para provar que é a Igreja mais antiga da cidade, mas existe uma pintura célebre de Debret que a retrata tal e qual é ainda hoje. Uma coisa, porém, é absolutamente certa: Avareí significa - Abarei - ou seja, água de Abaré. Abaré, na língua indígena, quer dizer Missionário;
tanto que, no litoral sul, em Itanhaém, existem umas relíquias notabilíssimas chamadas de Abaré-bebe. Este abaré era um missionário que caminhava muito depressa, ou seja, o missionário-voador. Tratava-se do padre Leonardo Nunes que por lá esteve na época de Anchieta. Fazendo-se analogia, veremos que o Abarei será a Água do Abaré. Por quê?
Sabemos que no Avareí existia um córrego que desaguava no Paraíba, e foi ali que entrou a canoa do nosso primeiro missionário. Por isso, o nome. Por isso, temos tudo para acreditar que lá começava a vida religiosa de nossa cidade. Esse córrego existe hoje, canalizado, irrigando ainda a Escola Profissional.

Igreja Nossa Senhora do Carmo
“O que o Sr. sabe sobre a Igreja de Nossa Senhora do Carmo? pergunto.”
Sei que ela foi um templo tradicional em Jacareí, que ficava ali, no alto da Rua Pompílio Mercadante, anteriormente chamada de Rua do Carmo, exatamente por causa da igreja. Ela foi denominada para ser reconstruída logo a seguir; mas o tempo foi passando e, até hoje, isto não ocorreu.
Construir-se uma igreja, hoje em dia, é muito trabalho, mas apesar das dificuldades, guardo ainda a esperança de que, alguém, algum dia, tenha a feliz ideia de reerguê-la.

Mestre Zezinho
“E sobre as danças populares, Dr. Ramon, que a Igreja, antigamente, não via com muita simpatia, o que o Sr. pensa?”
Eu acompanhei, na cidade, sempre com muito interesse e grande simpatia, as danças de Moçambique. Ate hoje eu gosto de vê-las, pois se trata de um tipo de folclore muito natural e muito espontâneo, de religiosidade pura do povo. Houve época em que esse tipo de 'manifestação religiosa’ sofreu certa oposição. Queriam acabar com essa dança, como já haviam feito com a festa do Divino e eu sempre lutei para preservá-la, para dar continuidade às tradições populares. Moçambique é uma dança de divertimento e religião que eu sempre apreciei por sua ingenuidade e sua beleza. Recordo-me até de um versinho que se cantava assim:
“Que encontro bonito tivemos agora
São Benedito com Nossa Senhora...”

festa do Divino em Jacareí
Festa do Divino em Jacareí

Festa do Divino em Jacareí
Por falar em festas populares, gostei de ver, dona Ludmila, seu interesse pelo folclore de Jacareí, e acho que a senhora deve continuar neste caminho, lutando por nossas tradições... (segue)

Grupo de Folia de Reis

sexta-feira, 20 de junho de 2014


Memórias do Padre Dr. Ramon Ortiz


Padre Dr. Ramon Ortiz
Tendo a chácara por cenário, incrustada na vegetação e enriquecida pela simplicidade da mesa posta (café, garapa, bolo e biscoito), encontramos, eu e o Sr. Odilon de Siqueira, o padre Dr. Ramon Ortiz, tranquilo, entre retratos, livros e lembranças, envolto por aquela aura de magnetismo, que lhe era peculiar e que cativava ao primeiro contato.
“O que levaria um jovem a optar pela vida religiosa? perguntei.”
 Eu nasci aqui mesmo, no Vale do Paraíba, aos 17 de outubro de 1902, em Taubaté. Por aí a Sra. pode ver que já sou um pouco antigo. Vim a Jacareí em 1945. Tomei posse, nesta cidade, da paróquia da Imaculada Conceição - a única que havia, em 6 de janeiro, dia da Boa Estrela, e sempre me dei muito bem por aqui.
Jacareí, "naquele tempo”, era uma cidade relativamente pequena. Calculava-se a população entre 25 e 30 mil habitantes ao todo. Vê-se, por aí, como a cidade se desenvolveu. De um lugar tranquilo, provinciano, aconchegante, passou a grande centro industrial com toda a agitação e movimentos peculiares a essa condição.
entrevista gravada com o padre Ramon Ortiz em outubro de 1979
Se eu nasci com a vocação para o sacerdócio, não me lembro; mas ainda menino, em Jambeiro, minha cidade natal, eu já me dedicava ao serviço da Igreja. Certo dia, apareceu por lá, o celebre bispo de Taubaté - D. Epaminondas - que me convidou a ir para o Seminário. Falou com meus pais e ficou tudo assente. Corria o ano de 1912. Fui para o Seminário de Taubaté, onde fiz o curso superior e me ordenei em 1925. Alguns anos depois de ordenado, fui a Roma. Segui na Universidade Gregoriana o curso de Direito Canônico, onde me bacharelei e licenciei-me. Entretanto, devido à guerra, fui obrigado a retornar ao Brasil, porque realmente eu não queria ficar lá durante a guerra. Passar cinco anos na Europa, que foi o tempo que durou a guerra, eu realmente não desejava.
Voltei, sem plano de continuar meus estudos. Mais tarde, tive a oportunidade de conhecer alguns padres canadenses, que vieram a São Paulo, e aos quais me liguei por laços de grande amizade. Assim, quando eles retornaram ao Canadá, fizeram questão de que eu também fosse. Fui e me inscrevi num curso de doutorado na Universidade de Quebec, e foi lá que me doutorei em Direito Canônico.
Direito Canônico é o direito que rege a Igreja nas suas relações particulares - Direito Privado - e nas suas relações com as outras entidades, com as nações. Eu fui advogado da Igreja na Cúria de São Paulo, e fui também juiz, no Tribunal Eclesiástico de São Paulo.
Lecionei na PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde eu tenho inúmeros trabalhos publicados, porque eu fui também o diretor de sua revista durante doze anos.


Mas, voltemos a Jacareí de 1945. Quando aqui cheguei, a política estava nas mãos do Sr. Odilon de Siqueira - prefeito. O juiz de direito era o Dr.Paulo de Oliveira Costa, e o promotor, o Dr. Armando de Azevedo. O médico da cidade era o Dr. Pompílio Mercadante, figura muito querida de todos, e já me recordo do Jarbas e sua farmácia.
O relacionamento do pastor com seu rebanho era bem mais familiar. A gente tinha mais contato com as pessoas, porque a cidade era pequena, havia pouca gente de fora, todos eram conhecidos e formavam quase que uma única família. Hoje é diferente. O relacionamento é mais do tipo de organização, que é como a época exige.


Mas, naqueles tempos, havia um costume em voga no Brasil, no mês de dezembro, mês dos Presépios, que era o das Pastorinhas. Eu cheguei a formar um grupo de Pastorinhas, em Jacareí, que não progrediu muito porque eu era só, e a paróquia já crescia e me exigia muito. Era um grupo de meninas que cantava e ia visitando os presépios. Aliás, havia aqui um, que era famoso e muito visitado. Era o presépio da família Maciel, organizado por dona Sinhazinha Maciel, em frente à farmácia do pai do Sr. Odilon de Siqueira, na antiga Rua Direita, hoje Rua Antonio Afonso. Era o que de maravilhoso poderia se ver em matéria de presépio, aqui, quando cada família construía o seu. A família Maciel conservava o ano inteiro, e o ano inteiro aquela residência recebia visitas. Alias, na época, era comum as famílias se esmerarem na construção de seus presépios, para ver quem conseguiria confeccionar o mais belo e o mais interessante. Minha mãe, aqui nesta casa, também fazia o seu, do qual eu ainda guardo uma lembrança ate hoje. No seu último ano de vida, ela o armou numa caixinha que vou lhes mostrar, com suas peças originais. A devoção do povo aos presépios, naqueles tempos, era fabulosa. Hoje, rara é a casa que ainda monta o seu, não é? (continua...)

domingo, 8 de junho de 2014


Memórias do Prof. Mário Moras (final)

Comemoração dos 75 anos do Grupo Escolar Cel. Carlos Porto: Prof Mário Moraes à direira e Dr. Walter Francisco (dentista da escola) à esquerda.

O que marcou muito a minha juventude foram as festas religiosas: A Festa do Divino trazia sempre um casal de reis e era sempre um casal de crianças que saía. Havia a novena do Espírito Santo e o encerramento era com uma procissão. Antes de ser desta maneira, faziam a bandeira do Divino correr a cidade e, na casa dos festeiros, havia café com biscoitos servido para todo mundo.







As festas da Semana Santa seguiam o ritual antigo, com solenidades de manhã e à noite.  Acontecia nessa época a Procissão do Fogaréu. As pessoas saíam da Matriz e vinham cantando a ladainha de Todos os Santos com tochas, com tocheiros de querosene protegidas por vidro. Elas caminhavam em passo apressado e subiam a Corneteiro de Jesus. Vinham trazendo a imagem do Senhor dos Passos. O passo apressado era para simbolizar quando Jesus saiu com a cruz, foi uma coisa atropelada, correndo, então a tradição era a procissão à noite, com as tochas e com todos apressados. Havia em Jacareí, no centro, todos os Passos da Paixão marcados. Ali, no Marcolino, havia um Passo. Perto do Cine Rio Branco, havia outro. Na Corneteiro de Jesus, na subida, também havia um. Em cada Passo, era armado um altar, na porta de uma residência, sempre com a imagem  do Senhor dos Passos. O padre fazia uma oração e o coro cantava a música apropriada e a procissão seguia em diante. A imagem do Senhor Ressuscitado era carregada por homens fortes: o Aureliano Moreira, o Maneco Ivo. Essa imagem foi presente do Alfredo Schurig. A base é de pedra que veio da Alemanha e pesava muito.
Papai gostava muito de teatro, do qual, inclusive, ele participava.
Havia aqui um Teatro Municipal, onde hoje está a Casas Pernambucanas. Papai participava também, bastante, do Carnaval. Ele saía sempre fantasiado de mulher.



Clube Esperança
A primeira rua que recebeu calçamento de paralelepípedos foi a Alfredo Schurig, na gestão do Coronel João Ferraz. A Praça Conde de Frontin chamava-se Praça do Bom Sucesso e era um descampado todo alagado. Na revolução, mudaram o nome para Praça João Pessoa. Lá não tinha casarão algum e nem jardim. Depois foi feito um monumento ao Expedicionário, doado pelo embaixador Macedo Soares. Então é que plantaram as árvores.
Jacareí tinha muitos problemas com as enchentes e também com a falta de água. Às 8 horas da noite, fechavam a água e o povo ficava sem. Quando o Sr. Antoninho Mercadante se casou, nesse dia, em homenagem aos noivos, a água ficou aberta até as 10h da noite. A água era fornecida por uma empresa do município pelo efeito de declive. As bombas eram deficientes, então, a água da cidade era pouca. Quando havia enchentes, a água era cortada.

Seu Aníbal Paiva e Tio consertando a Bomba d´água
 Havia um desvio da Central do Brasil para a Serraria Lameirão. Este desvio atravessava a Praça Raul Chaves, onde hoje está o Banco do Estado de São Paulo, bem na frente da Rua Ramira Cabral. O trem parava ali para deixar as toras de madeira muito pesadas. Ele entrava nas serrarias, não só para deixar as toras, mas também para recolher o material já trabalhado para os compradores. Depois ele saía de ré, porque não tinha onde manobrar.


O casarão onde funciona o Carlos Porto , dona Josefina Guimarães da Costa Leitão, viúva do Coronel, vendeu ao Estado por trinta contos de réis, em 1895, mas o Grupo Escolar foi nele instalado apenas em 14 de julho de 1896, depois que fizeram algumas adaptações. No início, o Grupo Escolar ocupou um prédio que foi alugado. Era um antigo casarão, muito bonito, que ficava nos Quatro Cantos. Nele, depois, foi o Pastifício dos irmãos Lencioni.

Rua Alfredo Schurig recebendo calçamento
Eu assumi a direção do Carlos Porto dia 13 de agosto de 1954, que deixei em 12 de agosto de 1976. Fui seu diretor por vinte e dois anos. Eu já entrei como diretor e fui muito feliz. Encontrei um corpo docente muito bom que colaborou muito comigo e do qual eu guardo as melhores recordações. Comecei minha carreira no magistério como professor substituto. Depois ingressei na Fazenda São Martino, de onde fui transferido para o Lamartine Delamare e de lá para o Carlos Porto.”

sábado, 7 de junho de 2014


Memórias do prof. Mário Moraes


Professor Mário Moraes
“Eu nasci em 17 de outubro de 1912, em Jacareí.
Meu pai, Francisco Batista de Moraes era de Freguesia da Escada e mamãe, Patrocínia Pereira de Moraes, era de Santa Isabel.
Meus pais vieram para Jacareí em 1911. Meu pai era viajante. Veio a Jacareí e instalou a casa de comércio “Casa Moraes” na Rua do Carmo, hoje Pompílio Mercadante.
Em 1911, caiu uma tromba d’água na cidade, que inundou tudo. Mamãe ficou apavorada e mudou-se para a Rua Corneteiro de Jesus que, naquela época, chamava-se Rua da Misericórdia. Meu mano mais velho foi arrastado pelas águas e, não fosse pelo Sr. Mourim, ele teria morrido. Eu tive quatro irmãos: Murilo, João, Bolívar Darci e Cássio.
Minha infância foi normal. Tínhamos horário para tudo. À tarde podíamos brincar de corre-corre no Largo do Rosário ou no Largo da Matriz.

Grupo Escolar Coronel Carlos Porto
O primário eu fiz no Carlos Porto, que era o único estabelecimento que havia. Depois eu fui pra Taubaté, estudar no Ginásio Santo Antônio e, depois, para Guaratinguetá, onde fiz o Colégio Normal.
Eu não fui da época do Nogueira da Gama, mas conheci o Dr. Lamartine em Guaratinguetá. Quando acabou o colégio em Jacareí, ele foi primeiramente para São Paulo, onde ficou trabalhando num cartório, mas não se deu bem. Ele nasceu mesmo para ser educador. Aí ele foi para Guaratinguetá, na época de Rodrigues Alves e lá instalou o mesmo ginásio que tinha aqui.

Largo da Matriz  com o coreto original
Dizem que o ginásio acabou por problemas políticos. Com a morte do Coronel Carlos Porto, Dr. Lamartine foi para a política, o que desagradou muita gente. O ginásio começou a perder alunos. Ele já tinha dificuldades em pagar os professores, que começaram a sair, e, com isso, o Ginásio desapareceu.
Eu tenho aqui comigo um livro muito raro, cujo título é “O Gymnasio Nogueira da Gama”.  Editado em 1902, de autoria de F. Antunes da Costa, de onde poderemos tirar dados interessantes como, por exemplo, que em 1893, Jacareí atravessava uma fase bastante precária em sua vida material.


“O “Eldorado do Oeste” atraíra grande parte da população abastada, levando consigo capital e trabalho. A lavoura e o comércio achavam-se em decadência, causando as mais sérias preocupações aos que tinham aqui ficado.”
O Colégio foi inaugurado em 23 de julho de 1893 e, desta data até dezembro do mesmo ano, foram admitidos 25 alunos. De 1984 em diante, a matrícula subiu sempre em progressão crescente. Conforme o colégio progredia, foi se reanimando o comércio. Abriram-se oficinas. Entraram numa prosperidade as indústrias locais. Em 2 de dezembro de 1899, o Colégio Nogueira da Gama , por decreto de número 3.518, assinado por Epitácio Pessoa, foi equiparado ao Ginásio Nacional.

Alunos do Gimnasio Nogueira da Gama, em Jacareí
O fato repercutiu por todos os segmentos da população como um acontecimento único. Jacareí fora elevada à categoria de uma cidade acadêmica, constituindo-se em foco de ciências e letras, onde filhos de outras terras viriam buscar a luz do conhecimento. Assim segue, no livro, a descrição do fato:
“Eram 6h45 da tarde quando o telégrafo notificou: ‘Parabéns Jacareí’. ‘Viva Jacareí’.
O que se seguiu foi indescritível. Centenas de foguetes estrugiram no ar, partindo de todos os pontos da cidade. Um verdadeiro delírio apoderou-se da população. Todos queriam ser os primeiros a levar ao Dr. Delamare o prazer de que se achavam possuídos. Neste dia se prolongaram as festas até altas horas da noite. No dia seguinte, recomeçaram. Eram verdadeiras romarias que se dirigiam ao ginásio. Algumas manifestações tomaram as proporções de uma verdadeira apoteose.
Os operários com blusas suarentas e empoeiradas do trabalho do dia dirigiram-se ao Nogueira da Gama e, em nome deles, fez um pronunciamento o professor Alfredo Fernandes.
A Loja maçônica local, representada por todos os seus membros vestidos inteiramente de preto, também se apresentou no tom mais solene que imaginar se pode.


O comércio, as colônias estrangeiras, os médicos, os advogados, o Grupo escolar Carlos Porto, as escolas públicas, a Sociedade Literária Sete de Setembro, as corporações musicais se solidarizaram e prestaram suas homenagens ao Dr. Lamartine. Devemos lembrar os nomes de Carlos Porto, Manoel Jacinto, Nunes Ferreira, como de extremos colaboradores do Dr. Lamartine.”
Carlos Frederico Moreira Porto trabalhava no Rio de Janeiro. Com a morte do pai, ele veio tomar conta dos negócios da família. Ele trabalhou muito por Jacareí. Foi ele quem instalou o Grupo Escolar Carlos Porto, quando foi deputado. No enterro dele, colocaram crepe negro em todas as lâmpadas da cidade e Jacareí praticamente parou em sua homenagem. Ele era um grande chefe político e deputado pelo Vale do Paraíba. Ele ia instalar aqui a escola Normal quando faleceu.


(Continua)