quarta-feira, 30 de abril de 2014


Memórias do Tenente Octávio Pereira da Costa (parte 1)


A seguir, publico trechos das memórias de guerra do então tenente Octávio Pereira da Costa, hoje General, publicadas no livro: Trinta Anos depois da volta, sobre o qual Rachel de Queiroz   assim se manifestou:

 “Esse, realmente era o livro que faltava, o livro que deve andar em todas as mãos, com especialidade a dos jovens, em geral mal informados quanto à importância daquele embarque dos nossos 25 mil rapazes para o teatro de guerra na Europa. Esse livro deveria ser publicado em edição barata, de copiosa tiragem, capaz de penetrar largamente pela vastidão do Brasil, como elemento de informação , narrativa de veraz teor e de singelo patriotismo, e que muito irá servir para a catequese cívica dos moços.”

Realmente, esta é uma obra que todos nós deveríamos ler, para podermos contar aos nossos filhos e netos, quão sofrida e gloriosa foi a participação dos pracinhas brasileiros na Guerra na Itália. Mas, este livro, publicado numa edição limitada e sem caráter comercial, em 1976, encontra-se, infelizmente, esgotado. Nele, em linguagem clara e didática, seu autor, Octavio Costa, relata suas memórias, pontuando o essencial na história da participação brasileira na Segunda Guerra. Seu relato começa pelo episódio do afundamento dos navios brasileiros pelos alemães, enfoca a situação político-econômica de nosso país à época, passando pela sofrida campanha da FEB nos campos da Itália: Suas lutas, dificuldades, conquistas e o retorno vitorioso dos pracinhas ao Brasil. Eu muito aprendi com as informações contidas nesse volume, e lamento que ele não tenha sido reeditado, para que as novas gerações pudessem conhecer a campanha brasileira na Itália, relatada em detalhes, por uma testemunha presencial aos fatos.

Força expedicionária brasileira foto Portal FEB (internet)
“Éramos uma nação de quarenta milhões quando a guerra começou. Socialmente pouco havíamos progredido em meio século de República. Vargas, auxiliado por Lindolfo Color, implantava, com imensas dificuldades uma legislação trabalhista contra a qual se opunham, violentamente, os herdeiros de escravos e de terras. Arrastavam-se, crônicos, os nossos problemas sanitários e educacionais, com taxas alarmantes de analfabetismo, com a mortalidade infantil, a fome e doenças endêmicas desafiando ainda a capacidade de novos sanitaristas do caráter de Oswaldo Cruz.”
“Éramos uma nação sem motivação psicológica consistente e duradoura, sem confiança em si mesma... Éramos um país essencialmente agrícola, monocultor e totalmente dependente de bom tempo e de bom preço para o café, ditado quase sempre lá fora segundo interesses dos intermediários.  Ao iniciar-se a guerra, dependíamos de importação em quase todos os produtos essenciais. Tudo nos vinha de fora: o trem, o automóvel, o navio, o avião e o trator.”
“Éramos uma nação extremamente pacifista, cujo exército havia disparado seu último tiro em 1870, nos campos do Paraguai. Desde o início da década de 1920 aqui estava uma operosa Missão Militar Francesa, que montara, no Exército, o admirável sistema de ensino militar que responde pelo excelente nível cultural de nossos oficiais.”


“A Marinha de Guerra limitava-se, quase exclusivamente, aos velhos e obsoletos encouraçados “Minas” e “São Paulo” e a Aeronáutica, ainda vinculada às forças de terra e mar, mal começava a nascer. Esse era o Brasil de antes da guerra, contemplativo e pobre.” (Costa, O. 1976, pág. 21)

Encouraçado Minas Gerais (foto Internet)
“Não só de cariocas e fluminenses, mineiros, mato-grossenses e paulistas arregimentou-se a FEB, porque, para formar e manter o efetivo de cerca de 25.000 homens que compuseram a Divisão de Infantaria e seus órgãos complementares, foram convocados brasileiros de todos os estados, havendo passado por exigente inspeção de saúde contingente muitas vezes maior para atender a padrões antropométricos e sanitários normalmente não exigidos pelo Exército Brasileiro.
A transposição da FEB, do projeto à realidade, trouxe, assim, à tona, difíceis problemas, como preparar, à americana, uma Divisão heterogênea de um Exército até então moldado em doutrina e padrões franceses; criar órgãos novos para os quais não tínhamos nem pessoal, nem material adequados; proceder à seleção de pessoal segundo padrões muito acima de nossa realidade, para adaptá-los a condições climáticas de um teatro estranho ao nosso; dificuldades de reunião, de concentração e de preparação de unidades descentralizadas, de subordinação administrativa e disciplinar a diferentes organizações; inexistência de uniforme adequado ao clima e de material bélico em quantidade indispensável ao atendimento das necessidades de instrução; inexistência de reservistas para as funções novas que a nova doutrina exigia; e gigantesco fluxo de convocados, em curto prazo, em muito superior aos efetivos previstos.


Tratava-se, em suma, de preparar uma Divisão para a qual não havia disponibilidade de todas as qualificações funcionais, de adestra-la na utilização de material que nunca tinha visto, segundo uma doutrina que nos era estranha. Somem-se a isso as resistências passivas, que a guerra psicológica adversária ativava, às vaidades, os melindres e as susceptibilidades que se levantavam no calcanhar da FEB e, mais que tudo, o sentimento de impotência e inferioridade que entorpecia o brasileiro, e a mocidade de hoje terá o quadro em que aquela mocidade foi à guerra contra o nazismo. Na Quinta real de San Rossoro, antigo campo de caça do rei da Itália, perto de Pisa, estacionou a Divisão Brasileira, reunindo num grande acampamento quase 10.000 homens. Ali mesmo nossos pracinhas começaram a preparar-se para enfrentar o inimigo, recebendo instrução especializada na detecção de minas e na utilização de todos os recursos bélicos. A FEB foi conhecer, já na Europa, a maioria do seu equipamento, todo ele de fabricação americana, e pago até o ultimo centavo”.( Costa O.1976, págs. 28, 29 e 30)

Um comentário:

  1. Uma marinha praticamente limitada a dois velhos encouraçados... triste quadro para uma marinha que já fora a segunda maior do mundo, perdendo apenas para a inglesa.
    25 mil Daniels jogados nas covas dos leões e saíram-se como bravos heróis, por falta de opção ou não, meninos tornaram-se homens.
    A leitura nos dá uma boa ideia, mas só quem vivenciando para saber como foi.

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