domingo, 10 de novembro de 2013


O livro de Azevedo Sampaio

Rugendas: Porão de Navio Negreiro
Jacareí foi uma das cidades do Vale com maior número de escravos da região, mas foi também palco de um movimento abolicionista muito bem organizado, conforme podemos verificar na obra de Azevedo Sampaio (1980).  Azevedo Sampaio, farmacêutico, nasceu em 13 de agosto de 1839, em Portugal, e chegou ao Brasil em 1854, instalando-se no Rio de Janeiro. Em 1868, transferiu-se para Jacareí. Homem culto e inconformado com a situação do negro em nossa cidade, logo abraçou a causa abolicionista, tornando-se seu líder. Agregando simpatizantes à causa, formou o Clube dos Abolicionistas, sendo muito perseguido pelos escravocratas da região.

Conta ele em seu livro que, ao assistir, casualmente, à noite, à ação de uma centena de pessoas atravessando a ponte e libertando dez escravos do bairro do São João, percebendo o amadorismo do ato, resolveu juntar-se a eles e elaborar planos de ação mais seguros e eficientes. A primeira reunião com simpatizantes à causa foi realizada na residência de Carlos Simon, parente de seu cunhado, Luis Simon. O propósito do Clube seria o de exercer a vigilância na cidade, conectar-se a outros movimentos abolicionistas, criar um sistema de policiamento e agir apoiado no juramento de seus membros, no sentido de trabalharem pela causa em completo anonimato. Assim ficariam resguardados das pesadas represálias que viriam dos poderosos. E o movimento fortaleceu-se e se expandiu para fora dos limites de Jacareí, sendo incansável em seu trabalho: libertou escravos, proporcionou fugas espetaculares, levou notícias às senzalas e enfrentou, através da imprensa e dos tribunais, as retaliações dos escravocratas. Acusado de sedição pelo crime da libertação de escravos dos tropeiros do São João, Antonio Gomes de Azevedo Sampaio foi preso, junto com os abolicionistas: Benedicto Manoel Pinto Ribeiro, Artur Rodrigues, Antonio Avelino de Andrade, José Cesário da Silva, Manoel de Aguiar, Benedicto Fernandes de Lima e Francisco Manoel Ferreira Ribeiro.
Outros abolicionistas atuantes em Jacareí foram: Luis Simon, Pedro Mercadante, João Feliciano Ferreira da Silva, Antônio Xavier da Silva, Bernardo Chaves, Benedito Antônio das Neves, Benedito Bebiano, Antônio Ferreira da Silva e José de Paula.
A liberação total dos escravos de Jacareí deu-se em 18 de março de 1888, dois meses antes da Assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.
“As festas em Jacareí, em 18 de março de 1888, foram resumidamente como narrou um espectador da capital na Redenção, de 25 do mesmo mês.
Foi esplêndida a festa da liberdade que aqui realizou-se no dia 18 do corrente mês. Data gloriosa para este município que será sempre relembrada pelas gerações que forem se sucedendo. Desde a véspera que o movimento do povo pela cidade era imenso. Parecia que alguma coisa de solene pairava pela atmosfera emprestando todas as alegrias e doces sensações àquela massa popular que se reunia para entoar o hino da liberdade e sagrar o dia da redenção do município com o festival de suas saudações.
Do Clube Abolicionista ao largo da Liberdade, transformaram-se maravilhosamente as ruas. Arcos com seus festões de verduras, bandeiras e flores marginavam as ruas, tendo presidido a todas estas decorações o bom gosto e a boa vontade geral.
O Largo, sobretudo, era de um efeito admirável e surpreendente.
Na madrugada do glorioso dia, uma banda musical tocou alvorada, como o primeiro hino de gratidão que a enviava a Deus, saudando o dia dos livres a irromper nos vastos horizontes.
Mais de três mil pessoas por essa ocasião acompanharam o mastro da liberdade para ser erguido no largo do mesmo nome. E tudo isso debaixo de espontâneas saudações, divisando-se a alegria e o contentamento em todos os rostos.
Às oito horas desse dia, chegou pelo expresso da capital a banda musical dos Remédios, sendo esperada na Estação por enorme massa popular e pela música do Zezé, denodado e firme abolicionista. Contínuas saudações foram erguidas à banda musical dos remédios, que conjuntamente com a daqui, da estação, dirigiram-se em passeio, percorrendo as ruas da cidade. As duas horas da tarde saiu do Clube Abolicionista, acompanhada pelo povo, a procissão cívica. Na frente o estandarte com dizeres seguintes: Jacareí Redimido e muitas moças trajando branco e empunhando bandeiras de todas as nacionalidades formavam vistosas alas, indo logo em seguida os abolicionistas e o povo. A procissão dirigiu-se para a igreja ricamente ornamentada, onde se celebrou um Te-Deum. O templo não comportou a massa popular. Depois da solenidade na igreja, seguiu o préstito para o lardo da Liberdade, onde o Clube dos Abolicionistas fez uma seção pública. O seu digno presidente e nosso chefe abolicionista aqui, o Sr. Azevedo Sampaio leu um importante discurso, que brevemente lhe remeteremos para ser publicado, sendo entusiasticamente aclamado ao finalizar seu discurso.

3 comentários:

  1. Enquanto espero a publicação do discurso, vou comentando:

    1) Não dá para imaginar o quanto esse pessoal foi perseguido e o valor das lutas - atos de muita coragem e altruísmo.

    2) Uma pergunta fica no ar > Nos Estamos Unidos, cada escravo liberto recebeu uma gleba e uma mula - como estavam nossos ex-escravos no dia 19 de março de 1888?

    3) 18 de março bem poderia ser feriado em Jacareí - não sei se o Dia da Consciência Negra é feriado na cidade, mas, localmente, o 18 de março tem muito mais peso e é merecedor.

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  2. Lizete Mercadante Machado Muito legal, Lu. O grupo que atuava no Vale era dos Caifazes, ao qual pertencia meu bisavô Pedro Mercadante, italiano, comerciante de café. Está citado no livro a que vc se referiu no post. (Via Facebook)

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  3. ACHO MUITO IMPORTANTE PARA A HISTÓRIA ESSES ATOS DOS ABOLICIONISTAS DE JACAREÍ, COMO ADMIRO TODOS OS OUTROS QUE HOUVERAM.

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