segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


1918/1919 - A Gripe Espanhola chega ao Vale


Epidemias de gripe acompanharam a humanidade desde épocas remotas. Existem registros de muitas pandemias no passado, porém todas com mortalidade inferior a que ocorreu em 1918-1919. A pandemia de gripe espanhola, como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha, surgiu, primeiramente, de forma branda, embora altamente contagiosa, causando alguns dias de febre e mal-estar. Passados alguns meses ela retornou, avassaladora e mortal. Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro, incluindo as populações da Índia, do Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.


Kolata, G. (2002) cita em sua obra: "Gripe, a historia da pandemia de 1918" que essa doença deixou no mundo uma estimativa entre 20 e 40 milhões de mortos. Comparando com a perda de vidas nos campos de combate da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) avaliadas em 9 milhões e 200 mil pessoas, podemos imaginar o estrago que fez!
No Brasil, a epidemia chegou no  final de setembro de 1918: marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, na costa atlântica da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que era então a capital do país. As autoridades brasileiras ouviram com descaso as notícias vindas de Portugal, sobre os sofrimentos provocados pela pandemia de gripe na Europa. Acreditava-se que o oceano impediria a chegada do mal ao país. Mas, com tropas em trânsito por conta da guerra, essa aposta se revelou, rapidamente, um trágico engano. Pedro Nava, (Nava, P. 2001, Chão de Ferro) historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918, escreve que:
“Aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva.”
“Além da fome, da falta de remédio, de médicos, de tudo, as folhas noticiavam o número nunca visto dos doentes e cifras pavorosas do obituário. As funerárias não davam vazão – havia falta de caixões e até de madeira para fabricá-los, ao ponto dum carpinteiro do subúrbio atender encomendas fazendo os envelopes com tábuas do teto e do soalho de sua casa. Alças de corda. Ganhou fortuna. Quanto ataúde havia, não tinha quem os transportasse e eles iam para o cemitério a mão, de burro-sem rabo, arrastados, ou atravessados nos táxis. No fim os corpos iam em caminhões, misturados uns aos outros, diziam que às vezes vivos, junto com os mortos. Havia troca de cadáveres podres por mais frescos, cada qual querendo se ver livre do ente querido que começava a inchar, a empestar.” (Nava P. 2001, Chão de Ferro,  págs. 207 a 212)
Calcula-se que a Gripe Espanhola provocou 35 mil mortes no Brasil, entre outubro e novembro de 1918. Em São Paulo ela dizimou 8 mil pessoas em 4 dias. No Rio de Janeiro, morreram 12 mil pessoas em dois meses. Uma das vítimas importantes foi Rodrigues Alves, que seria o novo presidente da República, conhecido por ter livrado, em seu primeiro mandato, a capital do País de epidemias de febre amarela, peste e varíola. Mas ele não chegou a assumir o cargo. Morreu em 16 de janeiro de 1919, de gripe espanhola.
Infelizmente faltam-nos dados oficiais sobre o número de mortos por essa epidemia em Jacareí, mas estima-se que foram centenas, como em todo o Vale do Paraíba.
Com o título “Influenza Hespanhola”, o jornal Tribuna do Norte, de Pindamonhangaba, em sua edição do dia 20 de outubro de 1918, informava sobre a chegada da já esperada gripe que vinha fazendo vítimas por todo o Brasil. “Infelizmente nossa terra foi invadida pelo “Influenza” e raro é o dia em que não se verifica alguns casos; por todos os cantos da cidade aparecem pessoas atacadas desse mal”, registrava a TN em sua primeira página.
“Em Guaratinguetá, o primeiro caso confirmado foi em uma pessoa que estivera no Rio visitando uma família infectada pela moléstia. Em Lorena já havia 90 casos registrados na unidade do Exército ali aquartelada. Em Santos, o mal proliferava nas companhias das docas. O declínio na epidemia é divulgado na edição de 1º/12/1918 da Tribuna, com a seguinte comparação: “a média de óbitos, que de 20 de outubro até 15 de novembro havia sido de seis mortos por dia, tinha caído para cinco mortos por dia tomando-se o mesmo dia 20 de outubro como ponto de partida até o dia 30 de novembro.” (Fernandez, A.)

2 comentários:

  1. Esta foi uma tremenda calamidade de âmbito mundial.
    Mas dá para ver a "dança dos números" - quem sabe uma mãozinha do governo de então.
    Como crer que morreram cerca de 35 mil pessoas em dois meses no Brasil todo se só no Rio, em 2 meses, foram 12 mil mortos e em Sampa, em QUATRO DIAS foram oito mil?

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  2. Com certeza, Carlos, os dados oficiais foram "manipulados" como de hábito.
    A descrição do horror e da mortandade que foi essa pandemia no Vale do Paraíba (Veja o relato de Ubirajara Mercadante) nos leva a crer que o número de mortos no Brasil foi muito maior, mas, mesmo no caso de nossa cidade, não há registro algum que permita que se contestem as informações "oficiais".
    Grande abraço e obrigada pela leitura e comentários, sempre interessantes e benvindos! Ludmila

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