domingo, 19 de janeiro de 2014


O pão nosso de cada dia...


antiga cozinha com fogão à lenha
Em seu texto “Identidade Cultural e Alimentação” Maria Eunice Maciel nos informa:

“A cozinha de um grupo é muito mais do que um somatório de pratos
considerados característicos ou emblemáticos. É um conjunto de elementos referenciados na tradição e articulados no sentido de constituí-la como algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas. Ela não pode ser reduzida a um inventário, convertida em fórmulas ou combinações de elementos cristalizados no tempo e no espaço. Entendendo-se a identidade social como um processo dinâmico relacionado a um projeto coletivo que inclui uma constante reconstrução, e não como algo dado e imutável, pode-se afirmar que essas cozinhas agem como referenciais identitários, estando sujeitas a constantes transformações.
A construção da cozinha de qualquer unidade de pertencimento (seja um
país, seja uma região, um grupo étnico ou outro conjunto) segue caminhos diferentes, dadas as suas condições históricas. Assim, ao se focalizar essas cozinhas, deve-se, necessariamente, levar em consideração o processo histórico-cultural, contextualizando e particularizando sua existência.
No entanto, a questão de delimitar espacialmente uma cozinha não é tão
simples como pode parecer a uma primeira vista, pois, muito além das fronteiras geográficas, que seriam seu suporte físico, ou da origem de seus elementos, ela implica a significação que é dada a certos pratos que irão caracterizá-la.” (Maciel,M.E. 2005 )

Conhecer a culinária típica de uma região é uma forma de entrar em contato com sua cultura e o modo de viver de sua gente. As receitas passadas de geração em geração, os ingredientes mais usados, o jeitinho particular de cada família em preparar aquele prato especial; as delícias tão aguardadas para saborear nas festas tradicionais, todos esses deliciosos quitutes também revelam muito de nossa história.
Entremos, pois, neste cômodo tão generoso de todas as casas - a cozinha - que, no decorrer desses séculos, evoluiu, aperfeiçoou cheiros e sabores, fogões e utensílios, sem, no entanto, perder sua origem e tradições.
Nos encontros que mantive, durante esses anos, com os queridos personagens que apresentei a vocês, saboreei muitos pratos. A maioria foi preparada por meus anfitriões, como em casa de dona Zulmira, onde, quando cheguei,  o  aroma da vaca atolada foi logo me antecipando as boas- vindas.
A história se repetiu com os bolinhos de chuva, o bolo de fubá, os biscoitinhos de nata, que sempre acompanharam a prosa, junto com o chá ou o café da tarde. Em casa de dona Zezé, nosso encontro foi regado a licor de pitanga servido de uma linda licoreira de cristal verde, como nos velhos e bons tempos!
E as referências culinárias? Cada encontro era, também, um festival gastronômico de lembranças: bolinho caipira, pamonha, doce de abóbora, licor de leite, figos em calda, doce de pinga, sopa de pinhão, farofa de içá, biscouto de polvilho, arroz doce, frango com canjiquinha... Como poderia encerrar o livro sem relatar-lhes essas delícias?
A cozinha é nosso laboratório de alquimia doméstica. Nela, além de potes, vidros, temperos, ervas e iguarias, utilizados nas receitas, nos encontramos também com o prazer. O prazer de criar e repartir o “pão nosso de cada dia”.
Partilhar a mesa com amigos é dividir o melhor que temos! E tornar públicas nossas receitas é repartir dons!
(Ludmila Saharovsky)

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